toda palavra é uma semente: traz vida, energia, pode trazer inclusive uma carga explosiva no seu bojo: corremos graves riscos quando falamos.
Raduan Nassar. Lavoura Arcaica (1975). Relógio D'Agua Editores. 1999
Pois, toda, toda palavra é semente. Mas sabiam já os antigos que nem toda semente será vida. Semente pode-se perder, ao sol, alabarada numa tarde ruim de agosto; sob a unha dum cavalo distraído que a esmagou enquanto, arreganhando os beiços, escolhia as ervas que mais no pasto lhe apraziam; no incêndio (pavoroso, como se diz nas crónicas) que nada respeita; numa rajada de ventos súbita que a lance a um rio onde nem peixe a coma. Semente pode-se estragar de mil maneiras, nem todas más, se má fosse a vida que delas nascesse já não nascendo, a inçar culturas daninamente ou páginas sem proveito. Semente há que já seja, desde o início, gora, que é como dizer só envoltório nem de ar que se respire. Como palavras que nada dizem aos outros, nem a um entre milhões que as poupe ao esquecimento. E é por isso que as palavras, digo, as sementes, devem ser peneiradas na ternura ou no ódio, viscerais e despudoradas, com o embrião inteiro dentro, o seu peso este, a pulsar, a abrir(-se) caminho na casca, talvez a risco de acabar num precipício fatal... e mesmo assim gritando-se sentido em eco que se prolongue em árvore, em insecto, em pássaro ou folhas mortas.
6 comentários:
Virei aqui muitas vezes, às tuas palavras luminosas, serenas.
Combinaremos um encontro em Cerveira. Beijos
Ó, Henrique, palavras serenas as minhas?! Então não são minhas, mas só emprestadas (com certeza, emprestadas é que são) e se calhar no fundo é isto que a escrita faz: mentir-me.
Cerveira, neste verão, vai ser grande. Nem parece, ouvindo e vendo, que o mundo esteja a ruir em volta.
Palabras inteligentes y sensibles. Una rareza casi música. Henrique tiene razón y hace bien en querer venir aquí muitas vezes.
Casi música, Ella, quizá por eso hay tanto poeta por ahí que hubiera preferido ser músico, para hacer música entera. Y yo me incluyo, aunque tampoco sea poeta.
Já andas por aí, nessa lavoura arcaica? À direita ou à esquerda do pai?
Este já la foi, Oscar. (E era sem tempo, que foste tu a recomendar quando cá estiveste... quanto há disso? Mil e uma noites?) Agora as lavouras arcaicas são reais, no quintal, e sempre a contra-mão.
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