domingo, 27 de janeiro de 2013

Involución

A ferida infecta no máis fondo
e o corpo larvado nun casulo
(en seda de silencios fiado)
de que non ha florecer avelaíña
mais o áptero cadáver dun soño.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Quinta de merda

—Chego a esquecer que tenho telemóvel —confessou-me ela— porque para mim ninguém liga.

Não demorei mais do que hora e meia a compreender porque não ligava ninguém para ela.

Chegara ao pavilhão com o saco dos patins às costas (quinta, até que enfim!  yepeehei!) e encontrei-a à porta (era eu quem levava a chave nesse dia).

—Já ia embora, pensei que não vinha ninguém —recebeu-me ela, tom de repreensão na voz.

E eu que não, que lá estava eu, chave e tudo, e viria, tinha de vir, alguém mais, com certeza.

Abri, entramos. Pousei o saco no chão e o corpo. Ela, a outra, nem foi buscar os patins. Ficou ao pé de mim, em pé, fala, fala, fala... Pus os patins, as caneleiras, as joelheiras, os protectores dos pulsos (um e dois, um e dois, um e dois, um e dois). Levantei-me, não caí, e ela, a outra, fala, fala, fala. E tentei entrar na pista, mas ela, fala, fala, fala. E meia hora depois ainda peguei no pau e na bola, para ver se assim, e nada. A cada movimento meu em direcção à pista, ela, a outra, puxava por mim com falas nada mansas (e eu com o pau na mão e más ideias na cabeça, mas rapariga educada que sou só pequei de pensamento e ainda ganhei lugar no purgatório), tenho para mim que o meu rosto era um poema, olhando para a porta (não vinha mais ninguém que me resgatasse?!), rodando as rodas no ar, batendo com o pau na bola não.

Até que disse eu, ó-caralho-vai-te-mas-é-foder, vou para a casa. E pousei o pau e o corpo no chão, e tirei patins, caneleiras, joelheiras, protectores de pulsos e arrumei tudo bem arrumadinho no saco. Levantei-me e disse, enfim, vou (vou embora, que já perdi tempo q.b.) e ela fala, fala, fala, ainda à porta (chovia, meudeus, chovia) e respirei fundo e desci um primeiro degrau e outro e todos, destemida. Ao carro, já! Quinta de merda hoje.

E ainda, quando eu já enfiava pernas, torso e cabeça, tudo enfim quanto é corpo, no carro, ouvi-a dizer, sarcástica:

—Olha que patinaste muito hoje...

E nem respondi, rapariga educada que sou, por não dizer pecados de alto, mas o meu rosto e os olhos nele eram um poema mesmo, todo inteiro. Não liga para ti ninguém, pois não?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Vai à vida...

—Mas, olha, Maria, que se a gente não tratar logo disso, ela vai à vida...

Foi o que o Orlando, muito sério, me disse e eu fiquei (assim, tipo) aterrada, isto é: apavorada e em terra. Não demorei mais o remédio e já a mota descansa na oficina, cuidados intensivos para a bateria moribunda, ou quem sabe?, morta. (Além do mais: as diurnas lucubrações metalinguísticas do caso pintaram-me meio sorriso no canto dum olho.)

Depois lembrei-me deste País, que está indo à vida, também..

A falta de razões, embora composta, é simples:
1. Mergulhei na revisão da tradução dum calhamaço da Literatura Universal (i.e: ocidental) que me adormece durante o dia e me acorda durante a noite. É um trabalho tão fascinante quanto ruinoso, de aí a contínua congelação dos meus dedos.
2. Os serões divido-os entre a leitura de Coetzee (Slowman) e o romance que um amigo desconhecido me confiou antes da sua publicação. E digo-vos: tenho o coração partido entre Austrália e Trás-os-Montes.
3. E que não me apetece ponta de um corno escrever.

Pronto. Ponto.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013