—As pedras crescem-lhe no cérebro por causa da estupidez.
Foi o que disse o médico e aquilo não lhe saía da cabeça enquanto comia a sopa. Que era inútil, assinalara, extirpar em cirurgias caríssimas as pedras, pois não desaparecendo a estupidez, elas voltariam a crescer como batatas em várzea suficientemente estercada. Sorrira, orgulhoso da metáfora que haveria de facilitar a compreensão da doença à paciente. Só que esta ignorava a importância do esterco na cultura da batata (ou de qualquer outro comestível vegetal, por acaso) e nunca pusera os pés, menos a enxada, em várzea alguma. Aliás, de hortaliças apenas sabia os preços porque gostava muito de sopa de legumes.
—E depois, no hipotético caso de... Quer-se dizer, se —emendara-se, doutor também em singeleza— mãos peritas, acudindo-se dos instrumentos que a tecnologia clínica avançada proporciona, conseguissem cercear as pedras e esterilizar mediante algum produto químico de última geração a estupidez, o vazio viria a encher o oco interno do crânio, com consequências assaz previsíveis, como levitações, cólicas intestinais e diarreias, comichão generalizada, um exacerbado apetite sexual, visão telescópica e, mesmo, tonturas.
Interrompera-se aí o facultativo para melhor avaliar o sucesso da explicação e ela, simulando que percebera tudo, acenara um quase nada, não fossem as brusquidões estimular a prosperidade do pedregal que a estupidez semeara. Depois, numa letra praticamente ilegível, prescreveu-lhe um genérico cujos princípios activos, resignação e paciência, tinham provada eficácia em transtornos similares, em supositórios, sublinhou, e aconselhou-lhe a introduzir um em cada orelha todas as noites antes do jantar. Aquilo também não lhe saía mais da cabeça. A sopa estava especialmente boa e os ingredientes ficaram bem triturados, mas custava-lhe a engolir, como se as pedras do cérebro tivessem espalhado os caules, as raízes ou sabe-se lá o quê (os tubérculos?) até ao esófago. Que estupidez, pensou, mas arrependeu-se logo de ter pensado isso.
6 comentários:
Nas orellas? Isto sóame a chiste...
¿Non deberías vir-ver a túa sobriña?...
A miña sobriña debe de estar polos Algarves a tentar descifrar carteis em alemán e inglés. Así que non vas ter sorte.
Á parte de que sigo condenada a galeras ata fin de mes.
Estas fantasías son tremebundas. Y estaría bien esterilizar la estupidez.
Tremebundo es una palabra bonita.
Estaría bien esterilizar la estupidez, sí, pero tiene muchas contraindicaciones. ;)
Isto cheira-me a 'postal', com endereço e destinatários certos...
;)
Então é que me (d)escrevo a mim própria, Jonas.
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