quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O roubo

É claro que eu tas hei-de devolver, uma por uma, sem mexer nelas, mas talvez já não as reconheças como tuas. Disse-lhe isto e ele olhou para mim mudo do espanto e da falta das palavras, boquifechando-se com receio que lhe roubasse também o fôlego com que antes as criava. Respira, disse-lhe, não sou ladra de espíritos, antes de substâncias quase impalpáveis como a espuma do mar quebrado ou os ares oxigénios que transitam entre os dedos, e ele olhou para mim, escondendo atrás das costas as mãos, como maneta corcovado pelo fardo dum tesouro descomunal. Não temas, tentei acalmá-lo, pois com esses ares que arrecado e as espumas que peneiro apenas construo sons que precisam de ouvidos finíssimos a acolherem-os. Furtou-se-me ele inteiriço, dos cabelos às unhas que nas sandálias repousavam, mascarando as orelhas entre borboletas e cavalinhos-do-diabo de perene condição e mais alguma flor distraída que lhe emprestou as pétalas cor-de-luz para que voasse.

Foi-se-me ele, mas eu fiquei dona e senhora de tudo quanto não era o mundo.

2 comentários:

Jonas disse...

...Os 'cavalinhos-do-diabo de perene condição...' é que ainda me estão a fazer cócegas no canal mastoideu!
hehe!

Sun Iou Miou disse...

Tece-as o diabo, meu amigo. Mas eu nem sabia que a gente tem canal desses.

Ainda não viste o pior. ;)