sábado, 20 de agosto de 2011

Arroz de sarrabulho à cerveirense (ou doação para uma causa nobre)

Os meus vizinhos, um casal idoso e pouco remediado, ao fim de três dias de espreitas infrutuosas pelas capoeiras e cozinhas do bairro, pediram-me para os levar até as dependências da GNR: queriam apresentar queixa do roubo das galinhas. Sete. As sete que tinham (fora uma que estava já mais para caldo do que para ovos). Curiosamente não levaram o galo. Quem fora o biltre que aproveitara as críticas horas da tarde em que as altas temperaturas e a feijoada do almoço narcotizam a gente, impedindo qualquer reacção a estímulos externos ou cacarejos de socorro, para sequestrar o harém dum galo que agora não tem consolo possível pois não o dotou o criador de mãos nenhumas, quanto menos daquelas de dedo preênsil, e nem sequer as asas cativas lhe são de utilidade para assaltar galinheiros próximos? Era sempre o velhote que falava, a ressumbrar indignação e perdigotos que me deixaram perdido o painel do carro, enquanto a mulher, no banco traseiro, acenava seguido como quem petisca minhocas.

—E as minhas ricas poedeiras —clamava ele com a voz num tremor que comovia até os diamantes mais brutos—, lá onde elas estiverem, serão capazes de cumprir a missão para que vieram ao mundo sem galo que as cante?

O sargento de serviço, entre compungido e arrepiado, trás escutar o relato pormenorizado dos feitos —que não irei reproduzir porque não estou para aí virada—, abriu uma pasta do seu iphone e mostrou uma fotografia. Nesta, um alegre grupo de cervereinses entre os que se contava o próprio agente da autoridade dispunha-se em volta duma gigantesca e fumegante panela de arroz de sarrabulho em que uma inspecção atenta descobriria, entre outras delícias ensanguentadas, o fígado aos pedaços generosos dum artista comprometido com a igualdade entre todos os seres vivos independentemente do seu lugar na cadeia alimentar e catorze pés de galinha. Mas ao desapossado dono das aves bastou distinguir um pê só para reconhecê-lo como parte dos despojos da Maruxa, uma bela galega pedrês (galinha entenda-se) que comprara havia dois anos na feira de Tui —um bom dia em que fora lá às urgências devido ao encerramento da unidade na margem portuguesa— com que chegara a fruir dum relacionamento digamos especial. Assomou-lhe logo uma lágrima furtiva ao canto do olho, enquanto aos lábios da mulher, por primeira vez em três dias ou talvez dois anos, assomava um sorriso sardónico.

4 comentários:

ella disse...

Ay! pordiós que no doy a basto.No pare usted por favor.

Sun Iou Miou disse...

Terrível pesadelo o que eu tive hoje por causa do gajo... peço desculpa!, do artista das galinhas. Era já o que me faltava esta palhaçada entrar-me assim pela vida e a noite dentro.

R.R. disse...

:-D

Sun Iou Miou disse...

Se lle digo, R.R., que mirei e remirei a notícia, pensando que era cousa dun elmundotoday calquera... Non daba creto.