Era um dezanove qualquer e tinha
tanto frio nos ossos quanto na voz.
Nem sei se chovia se era o próprio
olhar toldado sobre os vidros sujos,
no espelho embaciado do círculo
infinito em que as horas navegam.
Era um dezanove de outono lento
e o sono aguçava as garras na parede
de pedra e musgo, no sorriso torto
dum vaso de versos caído no chão
da cozinha em silêncio. Um rumor
de feras alçou-se na névoa: é hora.
Era o dezanove dum ano enrouquecido
contra o piano seco e torpe
que mendigava mãos crepusculares.
A várzea desenhava-se trêmula
na janela: aves, árvores, águas,
um alpendre, um muro, um trilho.
Por dentro era apenas o grito
surdo dos ossos na tela da tarde.
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