domingo, 4 de setembro de 2011

Crise

Teócrito Ignácio nasceu, sendo muito pequeno, no seio duma família amantíssima da poesia surrealista e das corridas de Fórmula 1. À diferença do comum dos mamões, que enfiam o polegar na boca, distinguiu-se logo pela teima em devassar com os dedos (das mãos) todos os trilhos parez-que infindos das narinas. O meu biografado, que naquela altura mais bem escassa nem sequer torcia muito pelas inclinações familiares, vez por outra extraía daquelas negrumosas profundezas um êmbolo sem fôlegos ou um verso solto com odor de cadáver bastante esquisito. Os pais babados, no lugar de lhe censurarem a conduta —chapada vai, grito vem, olhar reprovador em permanência—, alimentaram-lhe o instinto com gargalhadas, aplausos e alaridos a que o bebé respondia mediante esgares intelectuais que aperfeiçoou com o tempo e o nascimento das primeiras cáries. Foi assim que se fixou nele o bom costume de escarafunchar no nariz à caça dos mais variados tesouros, tanto minerais e animais como abstractos. Ontem, por exemplo, enquanto contemplava enlevado o anúncio dum dentífrico a patrocinar um documentário sobre o Dalai Lama, começou a pujar dum fiozinho com ares de verdade que acabou por concretizar-se num bastão de mando com o punho em ouro de vinte e quatro quilates, bem que o resto era era uma vara grosseira e nodosa de carvalho, o que denunciava recortes orçamentais durante a derradeira fase do processo de fabrico.

Não sei bem é onde vai parar isto.

P.D. (isto é, Postal Direccionado): Teócrito Ignácio é branco.

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