Vem aí o homem que se suicidou no outro dia —disse-me o senhor Luís no domingo, enquanto ele entornava cervejas e eu páginas.
Fora no regresso a casa que eu vira. Era na quinta, eu atravessava de bicicleta a ponte e na ponte, bem arrumadinho no chão o embrulho, duas sapatilhas pretas encima, de solas para o ar, uma camisa branca aos quadros azuis e um cinto a prendê-lo num dos barrotes inferiores da varanda. A palavra suicida atravessou-me a mente sem eu a chamar. Parei. Olhei para todos os lados. Ninguém. Assomei-me ao rio, olhei para a água. Nada. Ali mesmo, a profundidade era escassa, não dava para afogamento imediato, antes para partir o espinhaço e tudo quanto é corpo. O barco da Marinha aproximava-se a bastante velocidade, passou por baixo da ponte em direcção ao Arinho de Figueiró. Era a direcção das correntes? Viram alguma coisa eles? Vacilei. Não fazia sentido ligar para o 112. Não havia (já) urgência nenhuma ali. Porém... Ninguém passava. Cheguei a casa e subi as escadas, procurei o número da Guardia Civil, peguei no telefone, liguei. Contei a minha história.
No princípio, quando o senhor Luís falou, pensei que vinha a caminhar pela encosta acima um homem que tentara suicidar-se e "salvaram" mas logo entendi que se referia a um cortejo fúnebre que passava, lá embaixo, no terreiro da Vila. Levantei do livro os olhos escancarados: amarrei os pontos. Contei a minha história.
Não demorei a ir embora e ainda ultrapassei a procissão de morto e vivos, séquito sem padre nem estandarte, quase já à altura do cemitério, ali no fim da ponte...
Dias mais tarde ainda vim saber por outro vizinho que presenciou a retirada do cadáver do rio —o corpo partido, partido e afogado— que o homem se atirara exactamente de onde deixara a roupa como sinal.
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