—se eu soubesse explicar a cor do fogo, mais velho, eu era um poeta desses de falar poemas
Ondjaki. Os transparentes
Havia muito tempo que eu não ficava agarrada a um livro... talvez até porque havia muito tempo que não comprava livros... talvez até porque havia muito tempo que não entrava numa livraria. Cometi o erro de entrar numa, na sexta passada, mas foi só —e a minha fome saberá desculpar-me— porque tive de entrar a entregar nela, como quem porta um pacote-bomba de estrelas coloridas, um escritor com todas as suas histórias (e estórias) dentro. Foi assim que este romance veio ao meu encontro e me pediu para o levar comigo.
Por isso, quando a auxiliar da dentista me mandou passar à consulta, eu quase estive para dizer: «'Pera aí um bocadinho, que só me faltam quatrocentas páginas para ler». Mas não disse. Levantei-me, presa duma felicidade estranha em quem se dirige à sala de torturas, ao tempo que arrancava a imaginação da letra bonita do Carteiro:
—estudei no tempo de antigamente —sorria o Carteiro com o lábio inchado— levei muita porrada na escola para desenhar bem as letras