domingo, 16 de dezembro de 2012

O canto dela









15 de dezembro de 2012
Auditório de Goián
O canto dela...

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A palavra vestida

Para o Joxemari
É neste esplendor que se ancora
toda a esperança que me resta:
ofereces-me a palavra vestida
para dançar, e eu canto-a.

Recrio a árvore da raiz viva
e da árvore, as aves; delas, aladas
as nuvens com o algodão doce
e as chuvas, arcos-íris tecidos
de nenhures a parte nenhuma
e fugazes como o som da água
que tilinta na pedra e faz cova,
cova da boca que pronuncia
a palavra terra mais que terra
e semeia ardentes nas mãos
as estrelas que desabrocham
no infinito mato do pedaço
de universo que me penetra.

É nestas trevas que se alarga
todo o caminho a que aspiro:
ouço o canto que me entregas
despido de véus, e danço-o.

As orelhas do burro


























Toda a linguagem me fascina e atrapa. A figura no espaço. O som no ar. A cor na tela. O afago do teu olhar no instante único. E assim. Cada movimento declara uma intenção. Surpresa dum lado. Do outro, confiança ou a necessidade do alento que acaricia o focinho manso: matéria de palavra e luz.

domingo, 25 de novembro de 2012

Faísca non

Son moitos os días do silencio
e lentos coma a espera e longos
sen a túa voz que os quebre,
sen que os releve o teu ollar.

sábado, 10 de novembro de 2012

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Non irei

Féchase a noite sobre min
e respiro, pousado, e cingo
o alcance dos ollos ao límite
dos muros que me cercan,
en que me cerco, digo, agora:
féchome en min sobre a noite.

Postal


domingo, 4 de novembro de 2012

Drama instantâneo

Tantas pessoas sem pedaços de pernas nas fotografias,
ignorantes de que apenas serão a sustentá-las os cotos
no chão que nem se vê
e talvez já desistiu delas.

Foram quem sabe amputados os membros por uma mina
camuflada na base do quadro contra a parte das pessoas
que as empurra grávida
a caminho dos sonhos.

Sorriem todas como se não fosse com elas a ausência
visível dos pedaços de pernas em que se seguravam,
inconscientes da cena em que hão-de cair
após o clique.

sábado, 3 de novembro de 2012

As gavetas secretas

Não são as sombras da noite
que temo, antes as do dia
que me reptam até aos olhos
quando o sol sai e nada traz
a iluminar-me.

Não são as nuvens no céu
que evito, mas as próprias
da angústia a desabrochar
no peito como rosa de cristal
estilhaçado.

São mil espinhos por dentro
da pele a habitar-me as manhãs
e não há ravina em que despeje
o torrente do subtil tormento
que me rói.

Fagulhas são que me estalam
na profundeza óssea da alma
e como lascas rubras de aço
abrasam a fraca vontade
de vida.

Sombras que como nuvens alastram:
fagulhas que como espinhos se pregam
nas gavetas secretas do corpo
em que te guardo.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Para os que esta noite irán de fantasmas...

Isto é celebrar o Día dos Defuntos. O resto son andrómenas:

Pronto se abriría noviembre -el noviembre nuestro- con la Fiesta de los Muertos, y los cementerios se transformarían en ferias y verbenas, con faroleros adornos de tumba a tumba, organillos a los cuatro vientos, guitarras sobre la tapa del dijunto, maracas, clarinetes y changangos junto a la capilla del tendido, con cholas desfloradas entre las coronas marchitas de un reciente sepelio. Muerto de azúcar candi, muertos de crocante rosado, muertos -calaveras- de caramelo, de mazapán, de pasta de ajonjolí, entre palas de cavadores y correas de sepultureros, entre ataúdes, urnas, bronces de buen alarde y retratos de abuelos, de militares, de niños endomingados, tras de cristales ovalados, empañados por rocíos y lluvias. Y llegarían también los que vendían esqueletitos bailadores, coronados, enmitrados, enchisterados, enquepisados, paseando su Danza Macabra de cenotafios a cruces, al grito de "Muertecito pa' su niño", que en tal día, era llamado al regocijo, el aguardiente y el sobado.

Alejo Carpentier. El recurso del método. 1974

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Ja, ja was ist das?

De repente, a media tarde, apetéceme convocar un referendo ou varios (a tortilla de pataca con ou sen cebola?, o pan con ou sen tomate?, vinagreta ou maionesa?). Que me deteñan.

Os cans non entenden que mudamos a hora (continuamos baixo os ditados de Berlín —o da Alemaña, non o das bólas) e queren cear e/ou pasear. Tamén eu quero pasear, pero non é a hora. Cear aínda non: a culpa é do chocolate.

O día menos pensado deixo de ouvir a radio. É a mesma voz (do amo) a todas as horas. Sen fox-terrier ao pé. E o disco, para máis, riscado, erre que erre: pensarán que cremos que é música dos noventa pero eu penso o que me parece (sécolas, trécolas).

E son, son máis curtos os días, pero en troco hai castañas. Total, haberá que durmir para poder espertar (o malo, insisto, é a radio).

Reflexión a posteriori: sempre tiro as fotografías desde o mesmo lugar da ponte. É o mesmo lugar que escolleu o suicida. Talvez non por acaso.

E agora toca prender a luz. Así, tan simple. 


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

domingo, 28 de outubro de 2012

Aqui é noite

É frio o silêncio em que te espero
na certeza de que não vais vir.
As janelas não deixam entrar o sol
e a lua olha para o rosto que a terra
oculta no mar enquanto inventa estrelas.
As portas não deixam sair o verbo
e o papel olha para a tristeza amarfanhada
dum domingo que não foi para sempre.

É muda esta espera em que arrefeço
na escuridão duma página em branco.

Ensaio vão contra a sede

Tenho cinco dedos em cada mão
e um copo de água
e sede
(uma sede que não me larga).
Com os cinco dedos
duma mão das duas que tenho
pego no copo de água
e bebo
(mas a sede não me larga).

Fusões






sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Vou caçar nuvens!











É nesta guerra que me deram o privilégio de lutar...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Balanço do passeio

A cadela calça peúgas de lodo para entrar no rio. E corre (na disposição das orelhas dela lê-se qualquer coisa parecida com felicidade).

A felicidade é um objecto sensível às perspectivas. As minhas orelhas permanecem visivelmente inalteráveis.

O lodo é o invento mais bem concebido da criação —diz a sanguessuga e, a seguir, acrescenta—: O fedor supera-se só com a falta de olfacto. Fechar os olhos não adianta.

Está vento do sul. Chover ainda não chove.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O grito surdo

Era um dezanove qualquer e tinha
tanto frio nos ossos quanto na voz.
Nem sei se chovia se era o próprio
olhar toldado sobre os vidros sujos,
no espelho embaciado do círculo
infinito em que as horas navegam.

Era um dezanove de outono lento
e o sono aguçava as garras na parede
de pedra e musgo, no sorriso torto
dum vaso de versos caído no chão
da cozinha em silêncio. Um rumor
de feras alçou-se na névoa: é hora.

Era o dezanove dum ano enrouquecido
contra o piano seco e torpe
que mendigava mãos crepusculares.
A várzea desenhava-se trêmula
na janela: aves, árvores, águas,
um alpendre, um muro, um trilho.

Por dentro era apenas o grito
surdo dos ossos na tela da tarde.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Diario (secreto) de a bordo

Houbo onte instantes en que non choveu (exercicio principal: abrir e fechar o paraugas). O canal do Ariño viña (ou ía) cheo, case a rebordar: dábame o nivel polo corazón e os amieiros, mergullados ata a cintura, punteaban xilofonías pinga a pinga na tona do mansío. A auga engulira o carreiro nas marxes: só un compás desorientado sería quen de trazar a lapis azul o rumbo incerto sobre papel de prata ou lama. E así. Fun e vin. Deitouse o sol espreguizando os brazos polo monte da Pena, que se pintou nun idioma só del: amarelo, violeta e sombra de ollos.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Swinging

E pois, cá estou, a escutar jazz. Eu, eu que nem gostava de jazz, lembras? (ninguém responde), e dizias que me irias ensinar a gostar de jazz (e já não) e depois tive de aprender a sós, em meias doses.

E pois, a chave apareceu. Esculpada fica a pequena. O cérebro meu é que tem culpa e nem conserto há para ele neste início de século em que tudo, nomeadamente os direitos, andam ao desbarato. E há quem diga que as leis, mesmo que forem injustas, estão para serem cumpridas. E não estarão -digo eu, que nem cérebro tenho que me aguente as ideias nem os ideais- para serem mudadas? A chave estava na algibeira dum casaco a que ninguém sabe como foi parar.

Mas não me perguntem quem toca: sei só que tem pressa por chegar ao fim, ou parece.

Ai, é verdade: é chove e venta, mas é só lá fora, ainda.

domingo, 14 de outubro de 2012

E do lume fiz trevas...

Também eu queimei há tempo as cartas,
num amanhecer de nevoeiro brando.
Erigi a pira a um canto da sala,
acarretei achas de lenha e pinhas,
folharada de papel digital, turva ou clara
(nem sei, era tempo pretérito, subitamente
imperfeito, perdido, desencontrado)
e enchi de ar os pulmões pequenos
e alentei desesperanças e ausências,
ateei versos intermináveis e beijos.
O lume, diz-que, purifica, mas eu
antes senti a língua chamuscar-se,
tisnarem-se os olhos e esturrar-se
o fundo mais fundo e seco da alma.

Arderam-me os dedos e agora
já só escrevo pedaços de gelo
pelas margens de pedra e limos
em que equilibro o futuro avaro.

sábado, 13 de outubro de 2012

Martirio

Só eu para prender a Radio Nacional de nin sei onde antes da seis da mañá e ouvir unha persoa adulta sentenciar serena: "antes, antes sin pellejo que sin devoción a María". Arrepíome toda, desde a submucosa intestinal até a epiderme e apago o mundo. Ten que ser este mesmo o inicio dunha noite longa de pedra e ferro e devastación.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A troca











E a chave da mota nunca mais aparece. Desconfio da pequena, claro. Ou de mim, da minha cabeça, que se perde por vezes num vazio de ideias, num nada de sentimentos. A chave da mota que não aparece. É a vida estes desencontros com objectos úteis ou também aqueles tropeços com seres desúteis: os ratos. Afinal, ela, a pequena, demonstrou caras habilidades. Ontem ofereceu-me dois. Em troca da chave, parecia dizer: dois por um. Abanava a cauda. E eu sorri ao seu contento: esqueci a subtil subtracção da chave da mota que nunca mais gente viu.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

De cada palabra



Dona'm la mà que anirem per la riba
ben a la vora del mar
                                    bategant

Joan Salvat-Papasseit

No silencio atento

Agora perdín o presente
(ou as palabras que o describen)
e conto a vida nun teu reflexo de sombras.
Non escribo a chuvia da noite
nin o silencio atento da madrugada á voz.
Non acordo as horas do pasado; antes leo
o futuro perfecto a través da tua voz serena
nesa lingua de terra e frío que nos abriga.

Agora perdín o presente
(e o galo canta unha mañá antiga).

domingo, 30 de setembro de 2012

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Café gelado

Há dias, o senhor Luís, aproveitando que estávamos sozinhos, comentou-me que as águas tinham andado agitadas na esplanada. A conversa interrompeu-se pela chegada dum cliente a ocupar uma mesa vizinha e fiquei sem saber de certo o que aconteceu. Mas, a pouco que se observe, comprova-se que há mudanças de atitude entre alguns fregueses e constata-se a desaparição doutros.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

No meu céu




Lua e Vénus
12 de setembro de 2012

07.18h (fuso horário de Berlim)







 07.56h (fuso horário de Berlim)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Das etimologias populares

Pode-se pensar que estou concentrada a ler o César Vallejo na sua vertente surrealista. E estou. Só que por vezes há na esplanada frases dispersas pronunciadas num tom que se eleva sobre o rumor confuso das vozes. Ignoro qual foi frase anterior, também não me interessei por prestar ouvidos à seguinte. Fiquei-me pelo instante. O gajo levantou-se da cadeira, pegou no telemóvel que estava sobre a mesa e mostrou-o aos seus dois interlocutores como o fiscal mostra ao tribunal e ao público presente na sala a prova definitiva do crime (quer-se dizer, girando o torso ao de leve para a direita sobre as ancas, os olhos escancarados, uma celha mais arqueada do que a outra):

—Isto é um telemóvel, te LE móvel, ou seja: LE vo-te comigo —declarava enquanto fazia de conta que ia enfiar o dito no bolso das calças, para finalmente pousá-lo de novo na mesa e, de novo também, sentar ele.

Quem quer mais poesia, digo, provas?

terça-feira, 21 de agosto de 2012

domingo, 19 de agosto de 2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O desfecho

Vem aí o homem que se suicidou no outro dia —disse-me o senhor Luís no domingo, enquanto ele entornava cervejas e eu páginas.

Fora no regresso a casa que eu vira. Era na quinta, eu atravessava de bicicleta a ponte e na ponte, bem arrumadinho no chão o embrulho, duas sapatilhas pretas encima, de solas para o ar, uma camisa branca aos quadros azuis e um cinto a prendê-lo num dos barrotes inferiores da varanda. A palavra suicida atravessou-me a mente sem eu a chamar. Parei. Olhei para todos os lados. Ninguém. Assomei-me ao rio, olhei para a água. Nada. Ali mesmo, a profundidade era escassa, não dava para afogamento imediato, antes para partir o espinhaço e tudo quanto é corpo. O barco da Marinha aproximava-se a bastante velocidade, passou por baixo da ponte em direcção ao Arinho de Figueiró. Era a direcção das correntes? Viram alguma coisa eles? Vacilei. Não fazia sentido ligar para o 112. Não havia (já) urgência nenhuma ali. Porém... Ninguém passava. Cheguei a casa e subi as escadas, procurei o número da Guardia Civil, peguei no telefone, liguei. Contei a minha história.

No princípio, quando o senhor Luís falou, pensei que vinha a caminhar pela encosta acima um homem que tentara suicidar-se e "salvaram" mas logo entendi que se referia a um cortejo fúnebre que passava, lá embaixo, no terreiro da Vila. Levantei do livro os olhos escancarados: amarrei os pontos. Contei a minha história.

Não demorei a ir embora e ainda ultrapassei a procissão de morto e vivos, séquito sem padre nem estandarte, quase já à altura do cemitério, ali no fim da ponte...

Dias mais tarde ainda vim saber por outro vizinho que presenciou a retirada do cadáver do rio —o corpo partido, partido e afogado— que o homem se atirara exactamente de onde deixara a roupa como sinal.

sábado, 28 de julho de 2012

A descoberta

É sábado, mas não parece. Ou talvez parece até ao ponto de ser-se: aos sábados abandono o lugar cativo na minha esplanada às massas e refugio-me no bar dos bombeiros. Aquilo é paz em tamanho familiar e por ausência. Lá encontro o guarda do Convento mas os neurónios movem-se ao ralênti e só reconhecem quando ele já foi embora na carrinha... Desgraçada é que eu sou, e mais que irei ser: doravante é tudo sempre às arrecuas.

Do resto, é o menu do costume: descafeinado (triste) e água das Pedras, o único de borbulhante que na minha vida entra... ou não!?: tiro o celofane ao livro de contos em edição leve e cuidada duma chamada Companhia das Ilhas, e como é bom saber que ainda há ao meio do Atlântico quem sonhe para quem fica lastrado em terra firme:

"Curioso, soergueu o morto pelos colarinhos e deu-lhe duas galhetas só para lhe sentir os ossos. Este cabrão levou a vidinha a comer galinha, pensou. Virou-o de novo e perscrutou-lhe os bolsos de trás. Tinha o bilhete de identidade moçambicano. Leu: Zibelina Capristano Guente, casado. Quem se deitaria com tão fraco descaminho?"

António Cabrita. "A boa vizinhança". Ficas-me a dever uma noite de arromba
Companhia das Ilhas. Lajes do Pico. 2012

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Realidade





Ilha da Boega. Rio Minho
A sul dos meus olhos




Onde tudo se confunde

Inciso e directo

Andan a ser todos idénticos os amañeceres: neboeiro, pardais que chirlan, galos que cantan, asperxedores que se abren á hora programada no xardín do veciño, un can ou dous que ladran. E, pouco e pouco, o volume sobe. Algunha alma madrugadora que saíu a camiñar de mañá cedo. E eu, que a ver se me poño a traballar xa.

(Entre tanto, os que teñen oportunidades e pasta aínda estrágana en ir de vacacións á Madeira, cando existen os Azores. E logo quéixanse. Querían era un pau na cabeza. Ben dado.)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Verde que te quiero verde











Acorda-me o despertador e quase do único que tenho de vontade é de desliga-lo. Desligo. Uma hora mais tarde acordo. É dia. Está cinzento (os nevoeiros de agosto andam perdidos no calendário). Na rádio a música é a mesma de ontem: réquiem, um réquiem medonho e desafinado. Já na mesa, debruçada sobre a chávena, só tenho vontade de continuar a dormir, ali mesmo, o nariz enfiado nem que seja no arremedo de café que inventei para não me hipertensar (prometi ao meu médico não morrer antes de ele se reformar, haja paciência). Mas afinal, o verde do azeite sobre o pão, trazidos ambos da outra margem do rio conseguem que eu abra os olhos e diga: "Enfim...".

sábado, 7 de julho de 2012

A festa nacional

Está así un sábado de mañá coma tantos, poalla cincenta e boa temperatura, a paxarada como que este outono non é con eles e na radio un coro canta as glorias ao deus do santilorio ladrón de petos e pergameos.

Habemus codices, que é coma quen di materia para rexouba e sorna transformada nas terrazas a cuberto do orballo en leria e gargalladas, ofensas á presunción de inocencia, ao concepto da familia que reza unida ratea unida, ao misal, ao rosario (quen sabe, talvez, tamén produto de latrocinio?) e aos cartos baixo e no ladrillo. Repártense minutos de gloria ao torto e ao dereito: comisarios, deáns, alcaldes, presidentes e pobo: os tres estados medievais xuntos nun rectángulo de plasma ou led con subtítulos. Os pallasos esborranchan o sorriso plástico e a levita ante o espello do camerino, que o circo non morreu.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Em pôr-do-Sol

Continuo a ouvir o adágio
em andamento que me afasta
para mais longe ainda
dos clarins e os espaventos
e nem sequer estás tu já
para me desvendares os porquês
de tanto que não compreendo.

Simbiose

domingo, 1 de julho de 2012

Contra a melancolía




Hypericum perforatum
herba de san Xoán (gl.),
erva-de-são-joão (pt.), 
hierba de san Juan (cast.)

A (imposible) arte de pasmar

Penso que, se cadra, o máis estable dos meus desacougos devén de non fumar. Fumase eu, encontraba logo razón que nese instante ou en tantos outros abortados me sostivese o divagar dos ollos sobre o silencio en distraídisima reconcentración. Foi mesmo ese o sucedido incerto desta mañá, nas horas que anteceden o mediodía, sol limpo, airexa agarimando o corpo depilado ou cabeludo, a paxarada case nun calar de fondo a repousar das angueiras cotiás, insectos zunindo dereito, arañas tecendo a recú, veciños na misa (de comuñón e cadaquén a orar por si). Aquilo, se non era criar pasmo, parecía: nada urxente para facer, o tempo desentendido de min. Foi en tal cataléptico minuto, segundo arriba ou abaixo, cando dei en cavilar que me faltaba un cigarro nas mans ao que prender lume e letarxia. E aí tiven que sacudir a poeira das pálpebras para ver se enredaba aínda a conciencia nun desútil labor.

Completitude






Oenothera erythrosepala

sábado, 30 de junho de 2012

Promesa matinal





Cucumis sativus
cogombro (gl.), pepino (pt.),
pepino (cast.)

sexta-feira, 29 de junho de 2012

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A vida é isto (por exemplo)





Cucurbita pepo 
cabaciño (gl), abobrinha (br.),
curgete (pt.?!), calabacín (cast.)



E come-se.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Á sombra do liquidámbar







Picus viridis
peto verdeal (gl.), pica-pau-verde (pt.),
pito real (cast.)

terça-feira, 26 de junho de 2012

domingo, 17 de junho de 2012

Contraponto invertível

Ou então, digo eu, será o nada:
um vazio mais a sombra
um abismo, a sua ansiedade,
um espelho, o vidro duro,
infinitos que serpeam
engolidos em si próprios,
sem origem, sem final.

Indoméstico o silêncio
quebra o pentagrama
e desprendem-se palavras,
ténues missangas de orvalho
que esplendoram no chão
anunciando a alvorada:
ou então, digo eu, será a vida.



"Escada sem corrimão" de David Mourão-Ferreira. Música de Pancho Salmerón

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Cidade?

Uma vez pediram-me para responder a um questionário. Na segunda pergunta devia indicar em que cidade vivia. Deitei o questionário ao lixo.

Uma vez um pediram-me amizade no facebook. Através duma mensagem perguntaram-me em que cidade vivia. Deitei a amizade ao lixo.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Carruaxe






Centro da Memória
Vila do Conde



Estou a pensar seriamente en mudar de medio de transporte.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Mazada

De todos os traballos, o máis pesado é o que non dá traballo ningún facer.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Canga

Hai quen lle chama "liña de crédito". Xa só faltan as frechas.

domingo, 10 de junho de 2012

Também ja foi dito











Quem pode ser no mundo tão quieto,
ou quem terá tão livre o pensamento,
quem tão exp'rimentado e tão discreto,
tão fora, enfim, de humano entendimento
que ou com público efeito, ou com secreto,
lhe não revolva e espante o sentimento,
deixando-lhe o juízo quase incerto,
ver e notar do mundo o desconcerto?

(excerto da "OITAVA", a D. António de Noronha sobre o Desconcerto do Mundo, de Luís Vaz de Camões)

sábado, 9 de junho de 2012

Arrolo








Convento de S. Paio
Vila Nova de Cerveira



—É unha rola iso que canta? —preguntou.
—É un pombo —contestei coa certeza absoluta de quen de repente, nas asas daquel arrolo, fora transportada á infancia, a moitos quilómetros de alí.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Vedoiro

É ser con pernas que abunda nestes tempos. A cousa está fea, di un, e deseguida outro responde que aínda está para vir o peor. Anticipar o futuro é doado: temos (case) todos o abismo diante. Vai ser o masacre. Acórdavos aquel chiste? Pois non, non vai haber merda para todos.

Água que não hás-de beber...

O indivíduo aparece embrulhado num cobertor no interior dum contentor de lixo (secção resíduos orgânicos: bem-hajam os assassinos com sentido cívico), muito pálido, sem respiração aparente e com três facadas, nenhuma delas mortal, em lugares diferentes do corpo inerte (uma na coxa da que a artéria femoral não resulta afectada, duas no costado esquerdo que não alcançam órgãos vitais). Certificada a morte do suposto defunto e autopsiado, ele morre definitivamente. Nos papeis diz que foi de excesso de água nos pulmões.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Amizade






Fotografias da capa do livro e do fundo:
Ivo Manuel Machado

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Almoxarife

Presentei hai días os meus papeis, cos números todos certiños a ocupar os cadros correspondentes. O almoxarife revisou as contas mediante unha calculadora que tiña ao lado e coa que tocaba unha música vertixinosa e estridente, tal que un piano desafinado en dó. Mirou para min e estendeu a man, aberta cara ao ceo.

—Ao César o que é do César —esixiu.

Paguei co único de valor que me restaba: os ollos.

terça-feira, 5 de junho de 2012

O homem de preto

Não gosta de chuva. É por isso que a luz vai atrás dele. Em dias de temporal os olhos perdem-se-lhe por histórias de dentro. Tem sempre palavras como estrelas na língua para oferecer à escuridão dos tristes. A pele dele sente-se no abraço macia e cálida, como uma carícia de nunca esquecer nem nas memórias apagadas. Veste muito de preto para absorver os raios solares todos, um por um, e devolvê-los em frases de renda colorida pintadas.

Ou mais arte com menos matéria

More matter with less art.
Gertrude, acto II, cena ii




Cenografia para o Hamlet
Zé Rodrigues
Convento de S. Paio

segunda-feira, 4 de junho de 2012

sábado, 2 de junho de 2012

Embaraço não é gravidez







Valter Hugo Mãe na apresentação do seu
O filho de mil homens em Vila do Conde





Amanhã, domingo 3 de Junho, o Valter Hugo Mãe vai estar na Feira do Livro de Vila Nova de Cerveira, na hora da sesta, pelas 16.00 (hora de Lisboa), 17.00 (hora de Berlim). Diz-que vou ser eu a apresentá-lo... Mais não digo (não vá ficar muda antes da hora a qualquer hora).

Veladura

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Má vontade











Está calor. Está um calor... A esplanada parece mais um galinheiro. Eu, não parece, mas estou com vontade de matar alguém ou tudo. Tudo mesmo. Tudo em volta. Dissimulo o olhar assassino entre as letras do jornal. Apetece-me levantar-me e partir a loiça toda e com os nacos de loiça partida degolar pescoços, cortar línguas, ceifar cabeças. Ânsias insaciáveis de matar experimento. Todos mortos à minha volta menos o senhor Luís e a empregada, que sorri e pede licença. Todos mortos. E aquele silêncio divinal, ai, nunca mais vem.

Mas está calor. Está um calor que me mata. É só por isso que afinal não mato ninguém. E também porque este ano a cerejeira deu, até que enfim, cerejas (os melros que se cuidem do calor que está).