domingo, 25 de dezembro de 2011

Carta

Queria eu escrever-te sem escritas,
deitar pelas mãos nuvens e orvalhos
como quem semeia nadas, assim de leves
e tão alados, música sem algemas
que ao papel a ferrem, sons esparsos
como vozes sussurradas nos fundos ameais
onde pé não pousa ou ouvido alcança.

Queria eu escrever-te brancas frases
que nem fossem munidas de palavras,
redigi-las em aragens ou carícias,
átomos de insubstância e tinta,
acordes desacordes com os tempos,
aroma impossível de japoneiro e o verde-
-criança duma seara em primavera.

Algum pedaço de alfabeto avulso
sacudir logo e embrulhar na seda
dum envelope azul-de-maré-cheia,
selar com borboleta num canto o destino.
Finalmente, levar aos Correios e dizer:

—Queira mandar, se faz favor,
para onde o mundo acaba.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A horticultora insuficiente

Por non só ver se medran se non as nabizas e os repolos corazón de boi, plantei ervellas. Agora é así: de cando en cando, asexo na horta na esperanza de que asome o rebento dalgunha herba produtiva. Polo de agora, para o meu desespero, continúan a gañar as outras, as que só gasto dan na terra e no corpiño e nin cabra alimentan. E falando en cabras, o meu futuro veciño gañou xuízo (e eu perdín fedores), pois trocou o bravún no ar polas verzas en terra. E está bonito de ver o campo, cos seus regos dereitiños —que eu ben llos vin trazar a cordel— e as plantas de follas a secar ao sol a poalla de onte día enteiro. Díxome, amais (pena non acordara antes!), que cando quixese, podía apañar para un cocido. Vou ter que plantar un porco, logo. El será tempo?

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Só na boca o sal









Urbano Lugrís.
Mar dos argazos (1946)



Nesta prisión de ar contido, de mágoas,
rizóns e mastros sen vela, argazos
fosen os meus cabelos, nácara as uñas
de cunchas e os desexos meus,
dos ósos de náufragos mortos no sur
os meus ósos, de escamas e espiñas
vivas tamén os meus dentes vivos.

Cata o lenzo que me prende á proa,
mansa mortalla nas cores da serea...!
Non quero ser mascarón, nin reixas!
Quero é nadar arrolada entre anémonas,
marear os ventos ao lonxe das ribeiras
(xamais armas ao peito, nin aos ollos vazados),
unha illa ás veces e sempre horizontes.

Quero é tempestades, o pano negro fendido
no relampar quedo na nudez do océano,
e contento e azul ou verde, até cinéreo.
Non o norai de sombras que me amarra,
nunca este corpo de pau a abafarme as ansias!
Só nos labios un bucio, nin leme nin sextante;

só na boca o sal
                                     e no sal todos os mares.

_____________________
Homenaxe a Urbano Lugrís no 17 de decembro de 2011 pola Nave das Ideas (pódese descargar o libro, gratuitamente, nesa páxina)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

E o teu frio...

Nem imaginas o tamanho do silêncio
em que me abandonaste para todas as noites
e eu ainda, viste?, te deverei desculpar,
porque está muito frio e penso
que o teu frio será maior e incurável,
um frio igual ao da terra nua, húmida,
sob as palavras geladas que já não dizes.
Não há lume que me conforte as mãos,
enquanto desfio letras nos poemas
com que tecer um cobertor de ausências
para aconchegar o silêncio que me cresce
por fora e dentro do rosto cansado.

domingo, 18 de dezembro de 2011

A chávena vazia

Doravante o senhor Eduardo e eu partilhamos mesa na esplanada. Os muitos anos privaram-o de ouvido e tem o aparelho —explica, abanando a cabeça— a arranjar. Sem ele nada ouve. Mas vê, observa, entre cigarrilha e cigarrilha, quem vem (boa tarde), quem vai (tudo bem?). Um dia viu-me chegar, seguiu os meus passos encaminhando-se à uma das mesas para contemplar a friagem nelas instalada e fez-me sinal com a mão de me sentar, se faz favor, na dele, abrigada pela parede e as varandas do primeiro andar. Olhei-o nos olhos e misturei um obrigada e um sorriso na dose exacta. Sentei. Ele retirou a chávena do café vazia com o seu pires e dobrou o jornal que já lera para deixar espaço ao meu triste descafé cheio e à Pedras, ao romance em curso e às mãos que seguram as páginas enquanto por ele navego nenhures.

Não tarda, ele aproveitará a boleia do carro dalgum conhecido que sobe a encosta para poupar aos seus brônquios avariados o esforço do regresso à escuridão da casa, onde a mulher lhe morre devagarinho.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Espaço Ademar

Envoltório

Para a Ana Saraiva, a 9 de dezembro de 2011

Hoje não tenho prenda para te oferecer.
Fiquei à espera na soleira de casa
olhando ao céu: nenhum mar se via,
nem pianos de vela a sulcarem os instantes;
apenas me sobram garças que se abrigam no sul
das minhas mãos solitárias,
amieiros nus que morrem pelas margens,
um grasnido frio de corvo, véus rasgados de névoa
e os caminhos a que nunca achei fim.

Não tenho prenda alguma que te dê.
Foi por isso que escolhi para ti
o meu mais viçoso rebento de abandono
embrulhado em azul de águas
sobre um fundo de areias raras.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

De amor (tamén o alleo)

A Carlotte ten andado a enfiárseme na cama. En canto poño o pixama e me deito aparéceme ela con toda a tramoia do salón dun hotel de Weimar, onde conversa co doutor Riemer mentres eu loito contra as pálpebras que me caen, sen apagar a luz aínda, sen aconchegarme no cabezal, coa esperanza de continuar a ouvilos. Eles deseguida notan que eu xa non lles presto atención porque calan, agardan que abra de novo os ollos, que me centre outra vez no que me queren contar. Haberá quen pense que é deferencia comigo, que se resisten a privarme do relato das súas respectivas relacións con Goethe, que espreito con curiosidade perversa nas últimas horas do día. Eu, non obstante, teño a certeza de que é exhibicionismo. Consideran o seu un diálogo sublime que merece unha ouvinte dedicada coma min. Non se contentan cun falar abafado entre as páxinas fechadas dun libro. Que lle vou facer? Se lles aturo a fachenda, dígovos, é polo interese que me provoca a inevitable aparición do poeta. E por amor propio.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Por que não irei ser nunca escritora reconhecida

Por vezes ocorrem-me frases brilhantes, só que depois aparece uma corrente de ar e, miséria, perdem-se. Que sejam brilhantes as frases não quer dizer que iluminem as pessoas, como candeeiros na rua ou o sol. Não. Quer dizer apenas que dariam para escrever um poema, um romance, um ensaio, uma enciclopédia universal, talvez a história do mundo desde o princípio que era o verbo até ao fim que serão os mercados. Apenas isso. Essas frases brilhantes, silenciosas como relâmpagos no alto-mar, queimam nas pontas dos dedos, podem em casos concretos abrasar a pele toda das mãos e desatar um delírio místico. Há aquela tendência impulsiva, instintiva, a largá-las, como se fossem a travessa de comida que alguém demorou horas a preparar e colocou encima do fogão a lenha para evitar que arrefecesse, que chegada a hora nos passa com muito amor e luvas de cozinha para levarmos à mesa a dizer olha que queima quando já a travessa está no ar e é tudo um caos de fome e cacos impossível de evitar. Os convivas, com a água na boca e os olhos no chão, experimentam a mesma sensação de vazio no estômago do que eu na existência trás procurar embalde a caneta que está sem tinta ou o telemóvel que ficou sem bateria para anotar a frase que fugiu, sumindo nas trevas a magna obra que me iria dar o reconhecimento mundial mas que já não irei partilhar. É pena.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Providencia

Cando falo polo baixo é cando digo as cousas máis importantes, cousas que nunca ninguén vai saber: o universo enteiro das persoas está perdido de ignorancia por carecer de ouvidos para a miña voz cando acorda. Por exemplo, ás veces, ilustro o vento ou trazo circunferencias onduladas entoando un re único e temperado. Os cans, que escoitan atentos estes meus deambulares fónicos, levantan moito as orellas e o nariz e sempre, sempre, abanan a cabeza cando coloco o punto final. Pode ser que despois saiamos de paseo ou non. Pode ser que despois eu lles agarime o peito e eles a min nada. Pode ser ou non ser que sexa a hora de cear, que as rutinas tenden a quebrarse pola escuridade dos extremos. O fundamental son as frases que pronuncio antes, con algún interrogante e varias exclamacións. Xa vin algún pardal emudecer de pasmo e cento doce grilos de ollos desorbitados (isto só acontece no verán) improvisaren unha orquestra que corrobora a consistencia do meu pensamento murmurado. É unha catástrofe enorme isto de eu falar e o mundo ser un ente xordo, pero se gritase, o meu corpo de louza barata escacharía e algún can podería ferir unha pata nunha lasca aguzada. Non queremos iso.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pesca subfluvial







Praia de Goián

Dous armarios

En puntos diferentes dunha casa en penumbra cunha luz ao fondo existen dous armarios: desde un deles vese unha parte mínima do outro; desde o outro nada se ve do un. No outro hai un elefante, que non é elefante porque non ten trompa, senón, na irrealidade, un oso xigante de peluche vivo. Cada vez que o elefante oso de peluche tenta saír do outro, un cativo corre entre asustado e divertido a agachar no un. Todo parece chistosísimo. É así nun rebobinar continuo no que o elefante oso de peluche só consegue pór unha pata fóra do armario, pois o resto do corpo atóaselle na porta. Os adultos escangállanse de risa as tres ou mil primeiras veces. Logo, aborrecidos, conclúen que aquela historia é absurda e desconéctanse. É entón cando comprenden que era un soño e eu, que xa acabei de mexar, volvo para a cama. Antes de fechar os ollos, bebo un grolo de auga e escribo.

domingo, 20 de novembro de 2011

A horta

Ver os repolos medrar como quen ve pasar navíos. Nada máis, nin menos. No fondo é inventar un motivo para escribir. Razóns non se necesitan. A escrita é unha arroutada, como arroutada é a horta. Un amigo díxome que estaba a aprender a escribir na terra. Mesmo con liñas tortas, como deus, penso eu. Porque agora son un deus doméstico, á miña medida, que crea vida para devorar. É ademais un xeito subtil de asentar raíces e marcar límites: está terra é miña, talvez non legalmente, pero é de meu. É aquí onde eu son, por fin, onde constrúo a miña illa, rodeada dun foxo de distancias, de negativas, de recusas. Só de min non fuxo máis.

Mentres leo, mentres escribo, sinto reverberar os golpes da eixada nos pulsos, a eixada que racha a terra, o anciño que a peitea, o sacho a repenicar contra os croios. O corpo resiste os embates. Ningunha dor que poida sobrevir supera a que xa está instalada.

Cultura é isto...











O resto são histórias.
 (Repolhos "coração de boi" e nabiças)

sábado, 19 de novembro de 2011

domingo, 13 de novembro de 2011

A derrota do doutor Faustus

Delicio-me na esplanada com o encontro entre o músico e o diabo. Também eu sinto, às vezes, um frio glacial, ou quem sabe não será a debilidade que a longa caminhada me inferiu no estômago. Entro no café e dirijo-me ao balcão. O Zé sorri como se me fosse vender uma enciclopédia a prestações. O que é que eu queria?, hesito. E contemplo os bolos, que se me insinuam provocadores, despidos até de preconceitos. Um, mais redondo, enche-me o olho. Um desses, faz favor, peço. Destes? Desses. Há um silêncio. Ia saindo e lembro o que esqueci: Como é que se chama?, pergunto. Nós dizemos bolo de deus.

Já viu, senhor Luís?, mostro enquanto sento de novo à minha mesa, Cá fora o diabo a tentar-me a um pacto e lá dentro foi o próprio deus que me seduziu.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Vendo vir o día...







Pesqueira Vella. Goián



A chuvia veu despois.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

domingo, 6 de novembro de 2011

Pescador de névoas









Entre o Castelinho (V. N. de Cerveira)
e a praia de Goián

sábado, 5 de novembro de 2011

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Medras

A pequena vai da man da nai. Como non entendo de proporcións entre corpos e anos, doulle oito. É unha idade idónea para unha criatura que pregunta e agarda respostas. No ceo, por riba das lámpadas do camiño, sorrí un fino risco branco de lúa. Se fose máis fino, ninguén o vería, talvez por isso a lúa pensou que ese era o tamaño mínimo en que un sorriso podía suscitar interese.

—A lúa vai engordar?

A nai responde unha ignorancia disimulada, un baleiro sen imaxinación. Dá desimportancias á lúa.

—Xa veremos —di a nai, arrastrando o erre e a preguiza.
—"Xa verremos"?
—...
—Que é "xa verremos"?
—De ver e de remos. Ver remos.

A lúa está querendo empreñar no ceo. Está querendo engordar para que a pequena vexa o futuro dentro dela. Sen evasivas. No pano océano da noite ábrese apenas nunha fenda fina, branca, coma un ce deseñado a trazo de pincel chinés en negativo. Nel, a lúa insinúase apenas para que a rapariga non desista de preguntar. De preguntar sempre até encontrar quen lle ofreza a ponte dunha resposta cara a outras dúbidas e as súas preguntas. Oxalá que a encontre antes que desaprenda a curiosidade e medre para muller con fillos que dá desimportancias á lúa.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Manhã a preto e branco







Pesqueira vella. Goián






Ariño de dentro. Goián

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Soñar










Casa do Manolo "Xerelo". Goián

domingo, 30 de outubro de 2011

Fin da tarde

A tarde prendíase ao día por un fío de seda. O fío escintilaba cunha enerxía azul e leve a esvarar por dentro. A tarde aboiaba coma un papaventos e agarimaba os piscos que pousaban nela, acenaba cheiros de mosca para os lagartos arnais que pasmaban sobre os muros, finxíase saltón entre os saramagos. E fechaba os ollos para non ferir as sombras do brión que abrigaba as pedras. Os piscos trilábanlle garatuxas, os lagartos arnais mostrábanlle a lingua, os saramagos adornábanselle de flores amarelas. O brión, en silencio, abrigaba de verdor as pedras. Era un trocar calmo de simpatías. Só as canilongas provocaban naquela harmonía unha empincha xorda e eléctrica. O fío víaas vir ao lonxe e tremía. A tarde apagábase. Os piscos recollíanse encrespados aos niños. Os lagartos enfiabanse até ao rabo nas tebras da toca. Despetalábanse as flores dos saramagos. Todos sabían que cando as siluetas negras das canilongas pasasen rumbo ao oriente, habían esgazar o fío de seda, arrastrando a tarde con eles. O brión, no entanto, continuaba a abrigar as pedras.

sábado, 29 de outubro de 2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Son sen número

Son tres os violíns que esgazan a mañá
e levantan entre queixumes a claridade
e a ledicia.
Son tres os arcos que esvaran no calmo
manto de nubes estendido alén
dos brazos.
Son doce as cordas que agardan tensas
as caricias dos arcos para se inundaren
de auroras.
Son tres os brazos que ondulan
como un océano de silencios rotos
polas cordas.

Son sen número os sentidos que estremecen
sobre a ausencia de horizonte que os violíns
racharon.



(Inspirado no Concerto para tres violíns, arco e continuo en do maior BWV 1064 de Johann Sebastian Bach)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Lindeiros deslindados

Por mandado cego da xustiza o meu futuro veciño herdou nun repente medio eido partido á escuadra. Vides que houbese e mais os esteos que as sostiñan, árbores maceiras, laranxeiras ou ameixeiras co seu séquito de pulgóns e vermes, verzas, tomateiras e pementeiras criadas polo sangue do seu sangue renegado e chuchadas de caracois e lesmas, todo canto era de comer e beber mandou arrincar a maloutáns con músculo e máquinas con mecanismos (barullaban e fedían ambos entre fumes, transpiracións e estertores). Na estrema do eido partido ergueu valado de bloques paralepípedos máis alto que xente humana, o que non empece a curiosidade de gatos atigrados, aves de asa curta ou formigas escaladoras, bichame que fai sumicio ao deparar co ermo deserto, só de herbeiras sen oficio e croios presos da inmobilidade servido. Con esta chuvia de hoxe a vida debera asomar orellas pola tona da terra. Pero o meu futuro veciño decidiu que para vida farta a del basta e vai asentar cabras no baldío. Cabra —lese no primeiro parágrafo das sabenzas infusas— é Atila do bestiario. Por onde ela bea, até o recendo das rosas desmaia.

Prognóstico

Chuvia que chega ventada do sur no norte seca os vidros e engaiola os aballoados da esencia a unha saída afouta. Perdido o amparo das paredes, a molladura garántese até o óso (miolo incluso), que recibe, atónito primeiro e logo aflitísimo, o susto das augas-agullas. Un cheiro de pneumonías, vas apañar, vas. Ou se non, un pingo-pingo que entupe e nasaliza as falas, bolboroto de gargallos en tons de amarelo a verde (acastañados denuncian sangue podre, ou sexa, é mal que vén de lonxe e tísico, non culpa deste vento hodierno acochado entre humidades líquidas), toses carraspeiras e folgos escasos (mona, nunha palabra).

Por tanto, antes de iniciar ardimentos de peito abaloufado e pelame á mostra, aconséllase atender os catro puntos cardinais e por enteiro os ceos. O chan térreo, se persiste na lentura, tamén serve á interpretación madura dos agoiros.

Acordanza

Amañecinme e nin tiña os ollos abertos,
circulábanme regatos poluídos
da cabeza aos pés
nun silencio de pedras atentas
ao leve burbullar dos sentidos.
Era o día abríndose e eu na verza.

Foi un amansar do sono tenso e húmido
nas pingas que tecleaban o ritmo dos segundos,
era un fervedoiro de manancial escuro,
un cheiro que se alonga e evoca,
un sabor na ponta da lingua como clarexando.
Era un café (chirlo) nos labios en penumbra.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Cadáveres á parte

Cadáveres á parte
o día vai bo:
vento forte (non tanto que me arrastre
nin tan pouco que nin me lamba),
chuvia arreo
e as mínimas temperaturas en lixeiro ascenso.
Un día que xa cumpriu o que prometía,
excelencias (a terra enchoupada)
non fosen os xornais a cangalo
co peso da fétida ineconomía
e as súas arengas.

23 de outubro de 2011

Desfase

Na tarde non se fai nada. Non se fai nin se desfai. Hai un tedio, unha derrota, un silencio: apatía. Tanto vento. Tanta chuvia. Nesta simplicidade hai unha monotonía que me aconchega. Rebéntanme os brillos e cores do semanal entrefebrado de artigos como coitelos ao corazón desta sociedade estupidificante. Contrastes e náuseas. Detrás da imaxe hai un mercado do absurdo. Esculturas baleiras fronte ao peso grave da tarde.

Na tarde non se fai nada e eu aínda nin sei o que fago aquí.

sábado, 22 de outubro de 2011

Inconstancias

Ás veces pobóanme a imaxinación
maldades inofensivas, case parvas,
como agora, à primeira hora da tarde,
en que atraveso a ponte,
e mentres o vento me abana o coche,
vexo os camiñantes habituais
retando as temperies inconstantes,
riscados á contra-escuridade,
coma meniños ledos
por todos os outonos
que nos han de vir ainda,
polos recendos que o fragor trae
entre as follas bolboretas.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Mobiliário urbano

Que o senhor Eduardo está rijo como um pêro (e igualmente surdo) é facto que bem se corrobora em olhadas a distância ou míopes. Ao perto, nem tanto que de tactear, porém, a cena ganha som e contraste: tem os brônquios entupidos e gorgolejantes, as pernas cambaleam-lhe os andares precisos à vidinha mal reformada e por baixo do centro de gravidade e do umbigo, definha o homem como sino desbadalado (nem toca já a rebate incendiário, exauriu-se nele até o ínfimo cheiro de festança). Poder pode parecer que sorri, mas é apenas a falta de ar mastigável nos pulmões que o obriga a exibir o único dente sobrante do murro antigo que errou na fuça dum colega mais lesto, como se um espanto lhe fosse ao encontro. Fumar e beber café são os seus afazeres na hora em que a sobrinha o atrela, hirto e frio, ao rebuliço inócuo da esplanada, tão bonito ao longe como um poeta de mármore.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Arañazos











El
gato está muerto
y es ese arañazo negro en mitad
de la calle que visto desde la ventana
oscurece aún más el día
y cierro el libro
y me oculto en un sillón y cierro los ojos
y ya no sé a quién escribir
porque ni el silencio puede entender
cómo respira
su muerte el dolor
de una
           calle.
José María Millares. Esa luz que nos quema. Barataria (2009)

Outonices






Viñas do barrio do Pazo. Goián

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Distâncias marcadas

Tudo bem
enquanto o senhor não trespassar
os limites naturais da conversa
(um poema dito, um lugar longínquo).
Tudo bem
enquanto não voarem os copos
e as gargalhadas não forem
sonoras a mais, caladas a menos.
Tudo bem
enquanto eu continuar a ser apenas
esta sombra que vai e vem
e nem sempre está (nem esta é).
Tudo bem
enquanto o fumo do tabaco discorrer
pelas elevadas colunas
que a falta de tecto dispôs.
Tudo bem
se àquelas horas
que nem eu sei quais são
arrumo a tralha e vou pela ponte fora.

Até então
não tem nada que pedir desculpa.

Intimidades públicas

O homem gesticula no passeio do outro lado da rua. Ouve-se a conversa toda que mantêm ao telemóvel. Na verdade, não sei para que ele está a gastar na chamada. Seguramente a pessoa com quem fala, onde quer que estiver, ouvi-lo ia sem dificuldade se apartasse da orelha o telefone e prestasse ouvidos ao mundo. Mas se calhar ele, o gajo que fala e gesticula, como se estivesse a dar uma palestra para um público surdo e invisível, está em horário de chamadas a borla (a borla, neste caso e em tantos outros, significa à custa do que se pagou ou se vai pagar) e quer que se saiba. Quer que se saiba até que ele está a resolver um assunto muito importante para outra pessoa. É inevitável olhar para ele. Compõe um quadro extravagante, meio-inclinado, com um braço levantado em ângulo quase recto, como se fosse abraçar alguém mas abraçando só a falta de pudor. Ao cabo de cinco minutos de gritaria, desliga, entra no carro que tinha ao lado e vai embora.

domingo, 16 de outubro de 2011

Natureza salvaxe

Sobrevivir a un ataque desa natureza non é para calquera. Ende ben, de pequena regaláronme un manual de supervivencia redactado polos sobriños do Pato Donald que lin de punta a cabo e me proporcionou a necesaria experiencia teórica. Ante o ataque dun ser vivo da peor especie, cómpre antes de máis nada conservar o propio sangue frío (a menor temperatura, menor fluidez, o que resulta útil de producirse unha ou varias hemorraxias) e algunha calma. Tentar fuxir só empeora a agresión: o bicho excítase e traba con máis forza. Gritar de nada serve se o bicho é xordo ou non entende o idioma; se para mais inri pasa xente perto, a vergoña sempre magoa máis ca a morte. Todos estes sabios principios, non obstante, ao final non aproveitan máis ca ao agresor, que sabe agardar quieto, con paciencia, a súa hora... que case foi a miña. Nunca se metan entre as silvas e se se meten, cunha estupidez ao día chega: non tenten liberarse polas malas. Doe.

sábado, 15 de outubro de 2011

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A moment's rage

It was my job not just to pluck the chichen, but to eviscerate them. You slit the ass open a little bit and you stick your hand up and you grab the viscera and you pull them out. I hated that part. Nauseating and disgusting but it had to be done. That's what I learned from my father and what I loved learning from him: that you do what you have to do.
Philip Roth. Indignation. Vintage. 2009

A min tocábame non só desplumar os pitos, senón destripalos. Dáselles un cortiño no cu, métese a man, cóllense as tripas e sácanse. Detestaba esa parte. Metíame náuseas e noxo, pero cumpría facelo. Iso foi o que aprendín de meu pai e o que adoraba aprender del: que un fai o que ten que facer.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Do prelo











O libro negro que o primeiro pintor colocara maliciosamente nas mans dun mendigo cego no espello transformábase nun libro con dúas partes, dous significados e dúas historias; pero cando un volvía a mirada para a primeira parede, comprobaba que o libro seguía sendo unha unidade e que o seu misterio estaba perdido algures dentro del.
Orhan Pamuk. O libro negro. Editorial Galaxia. 2011
[Tradución de Bartug Aykam e María Alonso Seisdedos]

domingo, 9 de outubro de 2011

Canto à vida






Catedral de Tui
Réquiem de W. A. Mozart

O que o senhor Luís faz (redação)

Quando eu chego, o senhor Luís já la está, na esplanada em sombra dum café da outra margem (ou desta, se este fosse o ponto de vista dele, que não é) em que se tece uma extensa rede social sem pedidos de amizade nem limites. O senhor Luís escreve um diário. Guarda folhas soltas numa pasta de cartão com abas e elásticos e escreve nelas a vida com esferográfica de tinta azul para não morrer —ouvi-lhe dizer a alguém um dia— estúpido. O senhor Luís usa óculos nos olhos e cigarro na mão que não segura a esferográfica. De vez em quando pede uma cerveja fresca. De quando em vez é uma cerveja fresca e mais um outro copo que pede. Uma vez ou outra ainda esmaga uma mosca com uma pá que o acompanha. Sempre cumprimenta quem o cumprimenta, que é quase toda a gente que passa na rua ao lado dele ou até no passeio do outro lado, ou quem vem com a vida ao café ou vai do café à vida. O senhor Luís fica na esplanada quando eu vou embora.

Isto é o que senhor Luís faz de tarde na esplanada do café. O que eu lá faço é coisa que terão de ler nas folhas escritas com esferográfica de tinta azul que o senhor Luís guarda numa pasta de cartão com abas e elásticos.

Frestas de luz









Praça de José Régio.
Vila do Conde

sábado, 8 de outubro de 2011

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Madurez

Fuxidías

Saio a fechar os camiños e traio
o luscofusco às costas,
levián coma os fíos indistinguibles,
e os pés varren sen présa todo
canto é vestixio humano da ribeira.

Saio a abrir cancelas nos campos,
levanto as cortinas da néboa
e estendo vereas que a noite devorou
tripando ar e croios en doses iguais
coas botas húmidas de orballo e fentos.


Por pouco a raposa non almorzou faisán.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

En todo canto é pensamento (es todo ti)

A tarde é unha indecisión
en que o silencio prende
e afunda raíces longas
como os brazos meus cando te buscan
en balde polo pasado adiante.

A tarde é un corpo puro
en lascas aberto e espido
coma a carne que nun peixe
ben cocido irisou e sorriu no prato
antes que o dente lle estragase a alma.

A tarde es todo ti porque te penso,
como te penso á mañá e á noite
en todo canto é pensamento,
como te leo en cada instante
ou cada flor que se me descobre.

A tarde é o principio dunha
tecla que nunca será de piano
nin na cor, nin no tacto, nin no son,
só boca que medra na medida
do oco que grita co sabor enteiro (dentro).

A tarde é o círculo que cingue
as ansias absurdas dun disparate
pendurado no milagre rebelde
en que ninguén máis acredita
porque é feito de terra e ósos.

A tarde é este elo que non nos ceiba,
este cativerio sitiado de ausencias.

Carne de grixo

E por iso mirro.
Non coma quen murcha,
que é un podrecer agudo de humidades,
balores, molezas e cheiros agres,
do cabelo ao átomo último
entre bichos e terras,
mais coma quen seca devagar,
—esbagoando intestinos,
momificando dores,
tensando neuronas—
até acadar na tona do rostro
as impresións dixitais do espírito,
para perpetuarme nunha especie inerte
de multiplicados pedregullos
que pousen distraídos aos pés tantísmos de xente
e rodas de camións polas estradas
en todos os nuncas que me han de vir.

domingo, 2 de outubro de 2011

Itinerario incerto

Estamos sempre nun ir e vir de bébedos,
tránsito de nós sen rumbo,
serpeante, sen ruta, o ollar tolleito,
sen sentido único polo que desandar
os erros con que o mundo nos aprendeu
a dureza das mans e a lingua.

Quizais, quen sabe, non lle haxa que dar
grazas a ese Deus e cantar glorias e loas
porque un día alguén creou na súa honra
un mesías calquera do Händel (Georg Friedrich)
con que iluminar estes pasos que dubidan
en todas as encrucilladas do silencio.

sábado, 1 de outubro de 2011

Programa matinal

Também hoje não irei fugir para praia marroquina nenhuma. Fico por cá a varandar o mundo de dentro de mim. Está sol e cega-me. Por isso vou às apalpadelas, tacteando nas sombras o bojo onde a beleza assenta, onde o nada faz de conta texturas. Talvez limpe a casa e arrume a falta de ideias a um canto, consulte nas prateleiras do passado (por se houver ainda lixos de importância à espera duma utilidade qualquer). Mas antes vou passear que já estou com a língua de fora e a trela sem pescoço nenhum para amarrar.

Os areais que (des)esperem.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Desarrumações mentais

O que ele sonhou essa noite, se eu contasse como ele me contou, ninguém mais vinha cá espreitar. Pesadelo nojento! Ainda tenho arrepios quando visto no meu corpo pele e vísceras suas para imaginar o que pôde ser tal experiência. Pois, digam-me, alguém sonhou alguma vez que enquanto uma família estranha se lhe instalava, sem explicações como os sonhos exigem, em casa ―na casa enorme em que vive sozinho e à vontade com as suas manias e desarrumações medidas―, uma família em que a mulher está sempre fora a limpar e trabalhar, enquanto o homem e o filho estão sempre dentro a sujar e nada fazer, apoltronados (apotroncados, como diz uma minha vizinha que mora em vocabulário próprio) ante o televisor a ver partidos de bola, trasfegar cervejas e engolir pizzas, o dono da casa tinha de andar de joelhos a esfregar o rasto de porcaria que pai e filho iam deixando pela casa acima e abaixo, que eram lá umas escadas que só no dia do juízo final terminavam, zangando-se cada vez mais com aqueles intrujões porcos que lhe calharam, quando de repente, nota uma bolha num braço que rebenta e aparece um buraco escuro, preto, de meio centímetro e ao espremê-lo aquilo jorrava cagalhões castanhos secos de pombo?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011









  
Porto, 27 de outubro de 2011

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A violência do Estado totalitário

En ese tiempo, una de las particularidades más sorprendentes de la naturaleza humana que se reveló fue la sumisión. hubo episodios en que se formaron enormes colas en las inmediaciones del lugar de la ejecución y eran las propias víctimas las que regulaban el movimiento de las colas. Se dieron casos en que algunas madres previsoras, sabiendo que habría que hacer cola desde la mañana hasta bien entrada la noche en espera de la ejecución, que tendrían un día largo y caluroso por delante, se llevaban botellas de auga y pan para sus hijos. Millones de inocentes, presintiendo un arresto inminente, preparaban con antelación fardos con ropa blanca, toallas, y se despedían de sus más allegados. Millones de seres humanos vivieron en campos giantescos, no solo construídos sino también custodiados por ellos mismos.
Y no ya decenas de miles, ni siquiera decenas de millones, sino masas ingentes de hombres fueron testigos sumisos de la masacre de los inocentes. Pero no sólo fueron sumisos: cuando era preciso votaban a favor de la aniquilación en medio de un barullo de voces aprobador. Había algo insólito en aquella extrema sumisión.
Vasili Grossmann. Vida y destino. (Trad. de Marta Rebón)

Formas e espelhos










Está aberto.

Figueira do demo







Datura stramonium

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Contravivente

Através duma outra voz descubro vinte anos depois (vinte, vinte mesmo, exactos, tudo e nada, sempre tarde) que não sobrevivi, antes contravivi. Que vivo ainda (ao que parece, pois continuo a pagar civicamente impostos) não graças a mas apesar de. Do veneno. Ou dos venenos: o interno, genético, inevitável; o externo, sintético, que se pôde evitar. Num simples verbo auxiliar em particípio passado —que expressa capacidade perfeita e paradoxalmente descumprida por imposições semânticas do verbo principal— assenta o desespero inteiro, maduro, quase podre.

E agora? Parto a loiça toda?

domingo, 11 de setembro de 2011

Diferente?

Até parece uma outra cidade: não há belíssimos edifícios a ruir, não há moedinhas em cada canto, não há velhas a peidar-se enquanto arrastam a miséria (nem, por acaso, nenhuma outra classe de velhos, idosos que se diz agora), não há lojas fechadas por falência, não há medo ao lusco-fusco... até eu fui eliminada das imagens possíveis...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Chá de meia noite

Há chás que tecem conversas
com a delicadeza
dos bordados e os estuques antigos
erigidos sobre a paciência das mãos sem pressa.

Não contam as horas
mas os minutos que ficaram plenos
de sentido e forma.

domingo, 4 de setembro de 2011

Crise

Teócrito Ignácio nasceu, sendo muito pequeno, no seio duma família amantíssima da poesia surrealista e das corridas de Fórmula 1. À diferença do comum dos mamões, que enfiam o polegar na boca, distinguiu-se logo pela teima em devassar com os dedos (das mãos) todos os trilhos parez-que infindos das narinas. O meu biografado, que naquela altura mais bem escassa nem sequer torcia muito pelas inclinações familiares, vez por outra extraía daquelas negrumosas profundezas um êmbolo sem fôlegos ou um verso solto com odor de cadáver bastante esquisito. Os pais babados, no lugar de lhe censurarem a conduta —chapada vai, grito vem, olhar reprovador em permanência—, alimentaram-lhe o instinto com gargalhadas, aplausos e alaridos a que o bebé respondia mediante esgares intelectuais que aperfeiçoou com o tempo e o nascimento das primeiras cáries. Foi assim que se fixou nele o bom costume de escarafunchar no nariz à caça dos mais variados tesouros, tanto minerais e animais como abstractos. Ontem, por exemplo, enquanto contemplava enlevado o anúncio dum dentífrico a patrocinar um documentário sobre o Dalai Lama, começou a pujar dum fiozinho com ares de verdade que acabou por concretizar-se num bastão de mando com o punho em ouro de vinte e quatro quilates, bem que o resto era era uma vara grosseira e nodosa de carvalho, o que denunciava recortes orçamentais durante a derradeira fase do processo de fabrico.

Não sei bem é onde vai parar isto.

P.D. (isto é, Postal Direccionado): Teócrito Ignácio é branco.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A subversão das estrelas

Amanheceu e era noite. Parecia que para sempre, como se um sempre se quer que fosse existisse em realidade alguma. Levantou-se e calçou os chinelos. Não despiu o pijama nem tomou duche. Escovou os dentes, foi à cozinha, colocou a toalha na mesa, aqueceu um prato de sopa de cenoura no micro-ondas e depois comeu um iogurte magro natural e uma maçã golden. Vestiu um roupão por cima do pijama e desceu a rua. Encontrou-a salpicada de pontos de luz a girarem com as pessoas, que caminhavam a arrastar os chinelos em círculos grávidos, como planetas desconexos, ainda estremunhadas, vestidas de pijama ou camisola. No céu nenhuma estrela que se visse. Aliás, nada que se visse onde se supunha devia estar o céu, como um tecto de escuridão que tudo o cobrisse à interrogação dos olhos, como uma lâmina transparente que nada ocultasse dum longe de trevas feito. Leónidas Souza de Castro observou no corpo precisões ineludíveis. Uma mulher traçou uma tangente ao seu lado e deixou-lhe um penico de plástico aos pés. Acocorou-se e obrou. "O que é que eu hei-de fazer com estes excrementos?", perguntou-se. Um anão gigante trouxe-lhe a resposta passando ao seu lado e tomando o penico nas mãos: lançou o conteúdo por cima da cabeça e sumiu no rodopio do próprio círculo. Leónidas Souza de Castro pensou que iria chover merda sobre ele. Enganou-se. Apenas o fedor pairou uns instantes à altura do nariz, pois a negrume lá no alto parecia ter absorvido a porcaria. Cuspiu para o ar e ficou à espera embalde. Mais leve, acometeu-o então uma vontade intensa de girar mas teve medo de bater com as outras pessoas. Uma miúda albina de bengala na mão empurrou-o e os chinelos, levando o corpo atrás, encaixaram na órbita que lhes pertencia. Sentiu-se brilhar.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Num fim de verão ou do mundo

—BASTA!!!
—...
—Desculpa, mas tive de acabar contigo. Matei-te, não te queixes agora. Não olhes para mim tão feita incrédula que bem sei que já não vês nem sentes. Não te vou ligar nenhuma. Afinal a culpa foi tua. Disse-te para não me tocares mais. Não gosto que me toquem. Avisei. Repeti. Porfiaste em tocar-me, ora no braço, ora na cabeça (até me roçaste a boca, merda!), numa coxa e na outra... Vezes de mais para a paciência de menos que eu tenho. Não me apalpaste a indignação à tona ou quê? Merecias. Merecias e pronto. Devias era ter medido a tua insignificância, ainda vivias e eu não teria mais um crime a expurgar. Quantas reencarnações me esperam por causa da tua inépcia e em que raça de bicho, de bactéria que nem lixo, penado bípede, trôpego meteorito ou poeira me irei transformar, eu, que já me sonhava na glória dum anestesiante e beatífico enlevo etéreo? O quê? Esperneias? Ah, pensei. Foi uma aragem a fluir inconsciente. Está um outono antecipado, as estações adiantam-se, quem sabe não vem aí um apocalipse qualquer ao virar da esquina. E como estão chatas as moscas...
—Pois, estamos. Não estamos?
—Não, minha querida, tu estavas, já foste.

Mortalidade

Consultei o prognóstico do tempo para ontem
à procura de horas
por se amanhã fosse ainda possível
darem tréguas neste sudoeste:
Era um clarão de nuvens no mapa
que respirei até ao último segundo de horizonte.

Há futuros que não somam águas passadas.
Todos os passados, no entanto, contam com algum sol
no fim de percurso dos relógios cegos.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

domingo, 21 de agosto de 2011

O meu retrato e mais






6 Dedos (2005)
Desenho: Walter Silveira
Fotografia e montagem: Fernando Laszlo
Bula Luzescrita. Sala clara
XVI Bienal de Cerveira

A un fotógrafo descoñecido







Castelo do Neiva, 20 de agosto de 2011

E se eu, afinal, tivesse alma?

Da morte com que na noite me deito
há manhãs em que encontro um paraíso
—aos meus pés o cão-azul,
o único café do dia aos lábios
(programa intensivo de ressurreição),
Johann Ernst Bach nos ouvidos
e um coro de galos que batalham
muito sonoramente.
Há também as moscas a lembrar que isto
aqui é ainda a terra.

Aqui é uma paz em que eu queria
suspender-me para a eternidade
ou então que fosse para já
a eternidade a suspender-se em mim.

sábado, 20 de agosto de 2011

Arroz de sarrabulho à cerveirense (ou doação para uma causa nobre)

Os meus vizinhos, um casal idoso e pouco remediado, ao fim de três dias de espreitas infrutuosas pelas capoeiras e cozinhas do bairro, pediram-me para os levar até as dependências da GNR: queriam apresentar queixa do roubo das galinhas. Sete. As sete que tinham (fora uma que estava já mais para caldo do que para ovos). Curiosamente não levaram o galo. Quem fora o biltre que aproveitara as críticas horas da tarde em que as altas temperaturas e a feijoada do almoço narcotizam a gente, impedindo qualquer reacção a estímulos externos ou cacarejos de socorro, para sequestrar o harém dum galo que agora não tem consolo possível pois não o dotou o criador de mãos nenhumas, quanto menos daquelas de dedo preênsil, e nem sequer as asas cativas lhe são de utilidade para assaltar galinheiros próximos? Era sempre o velhote que falava, a ressumbrar indignação e perdigotos que me deixaram perdido o painel do carro, enquanto a mulher, no banco traseiro, acenava seguido como quem petisca minhocas.

—E as minhas ricas poedeiras —clamava ele com a voz num tremor que comovia até os diamantes mais brutos—, lá onde elas estiverem, serão capazes de cumprir a missão para que vieram ao mundo sem galo que as cante?

O sargento de serviço, entre compungido e arrepiado, trás escutar o relato pormenorizado dos feitos —que não irei reproduzir porque não estou para aí virada—, abriu uma pasta do seu iphone e mostrou uma fotografia. Nesta, um alegre grupo de cervereinses entre os que se contava o próprio agente da autoridade dispunha-se em volta duma gigantesca e fumegante panela de arroz de sarrabulho em que uma inspecção atenta descobriria, entre outras delícias ensanguentadas, o fígado aos pedaços generosos dum artista comprometido com a igualdade entre todos os seres vivos independentemente do seu lugar na cadeia alimentar e catorze pés de galinha. Mas ao desapossado dono das aves bastou distinguir um pê só para reconhecê-lo como parte dos despojos da Maruxa, uma bela galega pedrês (galinha entenda-se) que comprara havia dois anos na feira de Tui —um bom dia em que fora lá às urgências devido ao encerramento da unidade na margem portuguesa— com que chegara a fruir dum relacionamento digamos especial. Assomou-lhe logo uma lágrima furtiva ao canto do olho, enquanto aos lábios da mulher, por primeira vez em três dias ou talvez dois anos, assomava um sorriso sardónico.

Porque hoje é sábado, Vinícius

Acordar a pensar que é sexta
e que seja sábado
(porque hoje é sábado)
sentir raiva e alívio, por esta ordem,
e não saber por que é que senti nada
(afinal é dia de labuta, meu cara).
Ligar a telefonia
para ouvir as notícias
e lá estão outra vez a falar do mesmo (aquele),
e da confissão, esse grande invento
que permite grandes males (e pequenos remédios)
sem perder fregueses, súper súperbueno,
(nunca me hei-de arrepender de ter abortado,
nunca hei-de me arrepender de o ter confessado).
Mudar de emissora e escutar
um requiem qualquer,
talvez o do Fauré,
talvez o meu,
e olhar no céu as nuvens,
dádiva dum deus
que não consente infernos
(que não consente incêndios)
e arrefece as minhas mãos
sobre o teclado.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Água

Um dia talvez regresse à vida,
já vi que ela a mim não há-de vir
(por vezes entro aqui e é com desconcerto
que encontro sobre a tela um espelho mouco,
um silêncio baço, nada que se diga,
uma calma brava que me cospe).

Vislumbrasse amanhã cedo
entre a névoa o canto do rouxinol
que confundiu as horas,
pedir-lhe-ia para varrer de mim o cansaço
como se de um deus doméstico se tratasse.
Pegaria depois no lapis da noite
com que traço sobre o mapa
os ribeiros e fontes da minha sede.

sábado, 13 de agosto de 2011

Férias para quem pode

Tem imensa piada ouvir a quem não tem culpa pedir desculpa pelo atraso nos pagamentos, pelo menos!, ao dia 22 de agosto porque quem tem de assinar os cheques relativos ao trabalho do mês de julho está de férias.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Sopa de legumes

—As pedras crescem-lhe no cérebro por causa da estupidez.

Foi o que disse o médico e aquilo não lhe saía da cabeça enquanto comia a sopa. Que era inútil, assinalara, extirpar em cirurgias caríssimas as pedras, pois não desaparecendo a estupidez, elas voltariam a crescer como batatas em várzea suficientemente estercada. Sorrira, orgulhoso da metáfora que haveria de facilitar a compreensão da doença à paciente. Só que esta ignorava a importância do esterco na cultura da batata (ou de qualquer outro comestível vegetal, por acaso) e nunca pusera os pés, menos a enxada, em várzea alguma. Aliás, de hortaliças apenas sabia os preços porque gostava muito de sopa de legumes.

—E depois, no hipotético caso de... Quer-se dizer, se —emendara-se, doutor também em singeleza— mãos peritas, acudindo-se dos instrumentos que a tecnologia clínica avançada proporciona, conseguissem cercear as pedras e esterilizar mediante algum produto químico de última geração a estupidez, o vazio viria a encher o oco interno do crânio, com consequências assaz previsíveis, como levitações, cólicas intestinais e diarreias, comichão generalizada, um exacerbado apetite sexual, visão telescópica e, mesmo, tonturas.

Interrompera-se aí o facultativo para melhor avaliar o sucesso da explicação e ela, simulando que percebera tudo, acenara um quase nada, não fossem as brusquidões estimular a prosperidade do pedregal que a estupidez semeara. Depois, numa letra praticamente ilegível, prescreveu-lhe um genérico cujos princípios activos, resignação e paciência, tinham provada eficácia em transtornos similares, em supositórios, sublinhou, e aconselhou-lhe a introduzir um em cada orelha todas as noites antes do jantar. Aquilo também não lhe saía mais da cabeça. A sopa estava especialmente boa e os ingredientes ficaram bem triturados, mas custava-lhe a engolir, como se as pedras do cérebro tivessem espalhado os caules, as raízes ou sabe-se lá o quê (os tubérculos?) até ao esófago. Que estupidez, pensou, mas arrependeu-se logo de ter pensado isso.

domingo, 7 de agosto de 2011

Pés de barro

"como se um rio pudesse voar com peixes e barcos e tudo lá
dentro e passar-nos por cima da cabeça sem se entornar."
valter hugo mãe. o apocalipse dos trabalhadores

Pedia-lhes desculpa sem perceber que ele não tinha culpa alguma. Depois, soerguia-se, estremunhado inteiro, sentava à beira da morte e olhava para os pés. Era sempre o que fazia, de manhã cedo, ao pousar aqueles pés no tapete: olhá-los como se não fossem seus, antes uns intrusos que aproveitam o ensejo da noite para se lhe colarem ao corpo. Porque os pés, aqueles, obrigavam-no a sair ao mundo contra a sua vontade, quando esta, fraca que fosse, a cada instante do dia ou da noite, era de permanecer deitado, de colubrinas pálpebras transparentes, a contemplar no tecto o rio que por ele fluía, sem nunca entornar, com as anêmonas-do-mar a chorarem cloreto de sódio em cristais grossos como diamantes de condessa, os pássaros revestidos de escamas azuis dum carmesim intenso que evitavam a presença irritante das melgas no quarto enquanto liberavam gorjeios em borbulhas de chumbo, ou os bivalves e búzios que pulavam de pedra em pedra libando os néctares minerais.

Porém, aqueles pés alheios, vergavam-lhe o desejo, atirando-o para os deveres que lhe pesavam como remorsos. Assim, saía à rua, de espingarda ao ombro e canana a tiracolo, chapéu tirolês e sorriso amplo para ajudar as velhinhas a atravessarem a rua nos lugares de maior perigo, abandonando-as no momento exacto em que passava o eléctrico das oito horas e dezassete minutos. Era ouvir o estalo dos ossos e sentia cócegas no pés.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O roubo

É claro que eu tas hei-de devolver, uma por uma, sem mexer nelas, mas talvez já não as reconheças como tuas. Disse-lhe isto e ele olhou para mim mudo do espanto e da falta das palavras, boquifechando-se com receio que lhe roubasse também o fôlego com que antes as criava. Respira, disse-lhe, não sou ladra de espíritos, antes de substâncias quase impalpáveis como a espuma do mar quebrado ou os ares oxigénios que transitam entre os dedos, e ele olhou para mim, escondendo atrás das costas as mãos, como maneta corcovado pelo fardo dum tesouro descomunal. Não temas, tentei acalmá-lo, pois com esses ares que arrecado e as espumas que peneiro apenas construo sons que precisam de ouvidos finíssimos a acolherem-os. Furtou-se-me ele inteiriço, dos cabelos às unhas que nas sandálias repousavam, mascarando as orelhas entre borboletas e cavalinhos-do-diabo de perene condição e mais alguma flor distraída que lhe emprestou as pétalas cor-de-luz para que voasse.

Foi-se-me ele, mas eu fiquei dona e senhora de tudo quanto não era o mundo.

Suplemento de calcio

Apréndese a desistir de tanta cousa,
da noite sobre todo que sobrenada
no sono que rouba o tempo e mana
desacougos fondos coma pozos.
Apréndese a dispensar o café, os soños,
a madrugada sen dores e sen flores,
os bicos e as apertas, os ollos no silencio,
as mans e os horizontes. Apréndese.
Apréndese a reptar pola terra
dobrando a carne e a rabia,
a enterrar os mañás antes da hora,
a comer sen sal e sen compaña.
Apréndese a non agradecer ao ceo
o infinito que se foi deixando ás costas,
a artrite e a brancura nos cabelos,
os amigos, as engurras e os iogures.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Qual crise?!

É assim que o país vai bem, acreditem. Lá vou eu mercar uns bilhetes para os próximos concertos de piano em Cerveira. No ano passado eram 7€ cada, de maneira que a minha inteligência pré-clara achou que tendo subido dois euros (de cinco para sete, por se alguém não tiver dedos para contar) frente ao preço de 2009, este ano manter-se-iam nos 7€. Como sempre, enganei-me, meus queridos. O preço voltou às origens, 5€!

-Então - perguntei - não há crise em Cerveira?!
-É pelos trocos - responderam.

E vivam os trocos... ou a falta deles.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Gran Burato

Tal e como andan os prezos dos combustibles, xa se sabe, empézase polo gas libre e logo... Sirva isto de aviso aos galegos desprecavidos porque calquera día lles aparece un equipo de científicos a enfiarlles unha sonda pola porta de servizo para explorar as acumulacións de gas sen liberar. Poida que resulte de interese a exploración pero a explotación prevese que non sexa tan atractiva.

Majuntáis?

Agora que, grazas non sexan dadas ao facebook, tan desvalorizada está a palabra "amigo", propoño recuperar a expresión con que na aldea segoviana onde naceu miña nai e eu pasaba as vacacións, pediamos para incorporarnos a un grupo, non à procura de amizade, senón simplemente para participar nos xogos e as excursións durante o tempo que estivésemos alí, equivalente ao "Podo xogar convosco?" que lles oio agora aos rapaces.

"Majuntais?", deciamos. As caras todas volvíanse e unha das raparigas ou rapaces do grupo respondía: "Tajuntamos".

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Verborrea

Iníciase aquí un glosario de expresións idiomáticas de orixe alieníxena que irá baixo a etiqueta de "verborrea - verborreia".

ter acertos de cara á portería: meter goles, golear

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Cuestión de tempo

É chistoso porque nin triste lle parece. Insiste o Acacio Xosé García de Freixas, a risco da rima fácil, que nin lle quece nin lle arrefece esa morte nin o súbito e conseguinte aumento de vendas. Que era cuestión de tempo, di o agoiro póstumo, hehehe. Como se non fose en última instancia e sempre cuestión de tempo, suspira. E olla para o reloxo, como a tentar calcular cal é o del, o tempo. (A morte non é cousa que lle interese a esas horas.) Continúa a encher de galletas maría a cunca do descafeinado con leite mentres dá grolos avaros ao zume de laranxa natural. Coa barriga da culler esmaga amodo as galletas ata que se forma una papa acastañada coma os ollos da veciña que nunca repararon nel, nin sequera cando fai por encontrarse con eles no cubículo do ascensor. Volve mirar para o reloxo. Aínda ten tempo, se o tempo quere. Mentres engole as papas todo ansioso e escorricha un fío de zume, pola radio toca outra vez falar de persoas que morren de fame e sede, pero lonxe. Cando termina, arromba a mesa e frega a louza.

Xa sorriu diante do espello á procura dunha faísca publicitaria nos dentes cepillados, pasou o peite mollado polo pelo, vestiu a chaqueta de espiga e saíu da casa. Chama polo ascensor e o ascensor acode coma un can obediente nun zunido de nave espacial. Ábrense as portas. Din! Dentro, a muller dos ollos cor de papa acastañada de galletas maría, descafeinado e leite responde aos bos días do Acacio Xosé e logo devolve a vista ao esmalte das uñas. El embarca nunha aventura que nunca vai ter lugar. Ela continúa a ollar o esmalte, perfecto, das uñas. Pola mañá sempre vai en xexún ao choio. Namentres, ao Acacio Xosé o queixo trémelle un algo. Será que intúe o final do traxecto? Sae a muller do ascensor e volve un segundo o rostro para contemplar as curvas que o vestido asenta no corpo do espello. O Acacio Xosé non volve o rostro, non mira para o espello, non ve o vestido. Malia o abaneo das ancas, ve apenas uns ollos cor de papa acastañada. (Segue sen preocuparlle a morte pero o queixo trémelle aínda.)

terça-feira, 26 de julho de 2011

A caminho do esquecimento

Já nem me lembrava que agora
quase já não me lembra nada,
apenas que a falta de memória
é o canibal iníquo do porvir ausente,
corda bamba em que o presente leve
ensaia os meus passos sobre o abismo.

Mapa físico







A Curota (A Pobra do Caramiñal)
519 m.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Cifra











De repente é uma pluma
na casa de banho,
voz de pardal a dizer
para eu escrever dele
as asas.

domingo, 24 de julho de 2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Que pouca ganiña teño...

Ai, como son, desde mañá cedo, esgotadoras as probas que nos inflixe a vida cotiá, decisións difíciles que cómpre tomar a cada momento e que nos modifican, arteiras elas, o curso da existencia, o rumbo do devir, o futuro tan maleable e desatinado. Soa o espertador e decido, cos ollos apegados de lagañas, se me ergo se non, se me deixo finar de desleixo, encamada, até a podredume apestar cadavérica un día as ventas dos bombeiros ou a nada, o ar. Erguinme, como se constata, e polo tanto, sobrevivo moi lentamente. Para non feder, entón, lavareime, digo. Para non recender, porei desodorante sen perfume.
―Café ou té? ―pregúntolle á conciencia, mentres estendo o mantel ondulándolle a caída sobre a mesa, nun preso revoar dócil de amorodos verdes sobre fondo branco.
―Ti mesma ―contéstame cunha displicencia que me quita do cacho.
Poño a cafeteira ao lume, só por xoscala, ben cargada. Sonche eu boa. A conciencia funga un sorriso medio sorneiro e sóbeme a hipertensión un tanto, que nin se nota, por algo é bicho ruín que roe pola calada, eu tan pancha e as veas dentro min inchadas.

(Teño para min que xa escribín sobre isto algures, mas podreceume a memoria polo camiño e o primeiro síntoma disto é unha zanfonada tediosa, petella, un eco que non agarda resposta.)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

E nada se passou

Atira-se do passeio à minha frente e saltita dum lado a outro, sem me ver, sem me ouvir, como pulga com comichão, a tentar atravessar o fio lento de carros que vem em sentido contrário, brando, insubmisso, com um destino marcado que nem o fastio do trânsito pesado altera. Saltita o gajo e eu levo décimas sem medida de segundo com a mão e o pé direitos a premer nos travões, a imaginar o filme não da vida inteira passada, mas da pouca que me sobra em futuro se, um, o gajo não me sai da frente dum raio duma vez, ou/e, dois, a mota não se detém antes do embate. As mãos, pequenas, minhas, aguentam o guidão —não se dando ao luxo de movimentar-se nem meio milímetro para premer no botão vermelho da buzina; as pernas, tensas, minhas, preparam-se para equilibrarem —inutilmente, receio—, na violência do impacto, o animal de plástico e ferros que se entregou ao cuidado delas. Nem um metro separa já os corpos humanos envolvidos. Grito. O gajo vira o rosto para mim. Ouviu-me, vê-me. Escancara olhos e boca alucinado. Encolhe-se. Cobre a cabeça com os braços como um boneco de porcelana e aguarda quieto o golpe. A mota, enfim, pára. Eu respiro, fundo fundo. A pulga, o boneco, o gajo desmancha o gesto. Pede desculpas e nego com a cabeça, não faz mal, não faz mal, digo para ele e os meus botões, e fico ali, parada, no meio da vida ainda, a olhar como enfim atravessa entre os carros o resto da rua, com uma vontade brutal e frustrada de abraçá-lo, de sorrir para ele... nada aconteceu que não mereça em casa muitas festas para os cães que já estarão com fome.

terça-feira, 19 de julho de 2011

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Aveirando...







Duas BMW e uma... mota








Escada ao céu, evidentemente (Uou!)






Como eu sou pequena!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sopa

Tubarões vivos. Anunciam-se pelos alto-falantes. Tubarões vivos! E eu aqui no quintal tão desprotegida (alguma relva mais alta me defenderá?), tão fora de mim, imaginando-me, tão sem nenhumas águas por perto. Medito. Tch, tch, tch. Fossem ainda tubarões mortos, fazia-se uma sopa das barbatanas. A receita logo se arranjava na net. Para quantas doses dará uma barbatana de tubarão adulto? Quantos tubarões vivos é que eles trazem? Será boa a sopa de barbatana de tubarão? As perguntas estão mal feitas. Não se deve arrancar (cortar também não) as barbatanas a um tubarão vivo, que ele perde a condição por que deambula de aldeia em aldeia. Fosse ainda no mar... isso faz-se e vai o resto do bicho ao fundo, ninguém vê. Mas aqui a seco é que não. Quem limpava depois o sangue, que traz as moscas, na terra dos caminhos?

É o circo que dá nestes desvarios. Se precisarem duma mulher barbuda ainda vou com eles, com os tubarões digo, que têm um lindo sorriso, quando vivos.

Para o futuro

Teño encol do escritorio
un caderno negro sen estrear
e as palabras todas contidas
nas mans, coma á espera
dun silencio que lles abra liña,
dun acorde calado que as acompañe
nas tebras en que se perderon.
Teño encol do escritorio
un caderno negro en branco
co seu protector plástico aínda
e as ansias de gritar contidas
nas páxinas, coma a soñar
coas voces abafadas e as luces
dun arcoíris de lembranzas
para o futuro inexistente.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A outra voz (calada)

Que gañamos a guerra, gritan. En min estalan aínda tiros e badaladas a morto. Eles beben o sangue, mastigan a febra correúda dos ausentes. Festexamos o que?! A destrución do outro, o cheiro empachoso das vísceras podres que me impregnou ventas e soños para endexamais, os berros dos eivados na lama do terreiro. Necesito bailar, bailar, bailar para distraer a pel das farpas que a esfolan. Cala, apértame e vira, revira, fai da vertixe nosa espiral de esquecemento. Hoxe preciso afastar o horror nun recuncho da memoria de onde non máis saia. Baila, baila comigo. Báilame.

*[Cen palabras sobre o Sonigrama 6 do Diario Cultural da Radio Galega.]

terça-feira, 12 de julho de 2011

Graves riscos

toda palavra é uma semente: traz vida, energia, pode trazer inclusive uma carga explosiva no seu bojo: corremos graves riscos quando falamos.
Raduan Nassar. Lavoura Arcaica (1975). Relógio D'Agua Editores. 1999

Pois, toda, toda palavra é semente. Mas sabiam já os antigos que nem toda semente será vida. Semente pode-se perder, ao sol, alabarada numa tarde ruim de agosto; sob a unha dum cavalo distraído que a esmagou enquanto, arreganhando os beiços, escolhia as ervas que mais no pasto lhe apraziam; no incêndio (pavoroso, como se diz nas crónicas) que nada respeita; numa rajada de ventos súbita que a lance a um rio onde nem peixe a coma. Semente pode-se estragar de mil maneiras, nem todas más, se má fosse a vida que delas nascesse já não nascendo, a inçar culturas daninamente ou páginas sem proveito. Semente há que já seja, desde o início, gora, que é como dizer só envoltório nem de ar que se respire. Como palavras que nada dizem aos outros, nem a um entre milhões que as poupe ao esquecimento. E é por isso que as palavras, digo, as sementes, devem ser peneiradas na ternura ou no ódio, viscerais e despudoradas, com o embrião inteiro dentro, o seu peso este, a pulsar, a abrir(-se) caminho na casca, talvez a risco de acabar num precipício fatal... e mesmo assim gritando-se sentido em eco que se prolongue em árvore, em insecto, em pássaro ou folhas mortas.

Nada é nunca como era

Há notícias que chegam em forma de relatório
e nenhuma palavra que se mande
em forma de beijo ou de abraço
bastará para cobrir a distância aberta
pelo prognóstico ―asséptico― eloquente,
como se de repente os trilhos
se bifurcassem

e as mãos

fossem ficando sempre mais longe
umas das outras, a acompanharem os pés,

e as palavras

sempre mais surdas e sós,
encerradas dentro da boca.

Há notícias que chegam de manhã cedo
e já nada é nunca como era.
O céu, esse continua azul ou toldado,
a relva está na mesma, verde ou seca;
está igual o vento, calmo o inquieto,
e a terra gira enquanto a lua a espreita,
volta a volta.

Há notícias que secam os sonhos
como uma insolação o manancial do verbo.
Goián, 8 de junho de 2011

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Olhar inteligente

O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar inteligente sobre si mesmo [...].
José Saramago. Manual de Pintura e Caligrafia. Caminho. 1983

Boquiabri muda inteira, nem feita nada. Não podia dizer em que lugar nascera sem mentir, o que não era, no fundo, tão grave quanto o problema intrínseco de que o anteriormente afirmado era ilação, isto é, a bárbara consciência que me surgia de eu não ter nascido e talvez não vir a ter, na minha vida, possibilidades de alcançar o estatuto de nascida, furúnculo, sequer, a mais no mundo.

Importâncias

As dançarinas, esses seres de aparência dura e delicada, de estômago voraz como toda a gente, quando em massa, uivam que nem lobas em cio. Estes seus delírios sonoros, sem necessidade de amplificadoras potências, atravessam rios e ouvidos e aumentam o PIB duma vila, com o único intuito de abafarem qualquer ária que toque no rádio, por sublime que for.

domingo, 10 de julho de 2011

E depois...

Um ano inteiro.
Um abraço electrónico para te lembrar com os amigos.
Os beijos assim repartidos.
Um silêncio. O vazio.
Depois, ou talvez antes, ou ainda a toda a hora
as lágrimas do costume.
Um calendário novo
para uma tristeza antiga
e presente. Nada mudou hoje.
O dia é dia. A noite, sempre noite.
Goián, 22 de maio de 2011

sábado, 9 de julho de 2011

De somnio interrupto

Soñaba con el. Diría que el soñaba tamén comigo. Estabamos nunha praia ―que peregrino lugar para unha fantasía miña, nosa―, tanta area (e nela as cores multiplicadas, os gritos sen sentido, os odores, parasoles como bandeiras espichadas en territorio conquistado), tanto xentío, moito, tanto que nin os nomes dei aprehendido, todos amigos del, unha familia enorme cunha casa enorme alí ―mansión xenerosa, dígase, de actriz de cine de holibú― xusto a lamber nas dunas, herdade contraambiental de ricos mecenas que nos acolleran a mantido cunha neveira ateigada de leitón frío e fartura de tintos maduros con recendo alentexano na adega.

El abrazábame sempre, abrazábase a min, abrazabámonos. Non se pedía mais ao mundo: a sombra del a amparar o meu corpo da crueldade do sol e o sal.

Pasaban horas que eu non conseguía frear, aconteceu nin sei como, era natural, penso, fisio-lóxico con tanto rumor de augas ao fondo: nun momento dado tiven tanta gana de mexar, de ir até ao cuarto de baño limpo dos amigos (había os aseos públicos infames da praia, que tamén son un clásico no meu repertorio de soños, voume ter que ir mirar iso, creo que o herdei de miña nai e os paradores nacionais da infancia, só que isto é historia á parte de vivos e non vivos) pero resistíame a me ceibar da súa aperta e aguantaba, aguantaba...

(Cumpría escoller unha fin para o soño. Calquera delas era inelutablemente triste.)

Soou o espertador. Cando abrín os ollos, restaba apenas no dormitorio un vento frío e a gana de mexar.

Puido ser peor.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

E amanhã mais do mesmo...

Com licença. Vou à prosa da vida, traduzir viquingos de coração mole e cerveja quente, construir rípios de alto nível ao compasso da lira. Os grilhões prendem-me hoje a desventuras em castelos sem fantasmas, fantasmas sem transparências, a monotonia nos dedos, vozes estúpidas e estridentes. Coitada infância. (Atirem já os televisores nos contentores de resíduos biológicos letais!)

Fora chove, mas cá dentro há tempo que a humidade estraga as paredes doridas do mediastino e não só.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Negócio ruinoso

Que esta semana estou com muito trabalho e volto às onze horas diárias debruçada sobre a secretária, digo-lhe, para adiar a resposta inteligente (nem que seja inventada, que os neurónios estão pela hora da morte) a um enigma. E ela, ha, que bom então, assim não vais ter problemas de massa! Pois sim, pois é, respondo e tiro de calculadora: revisão de textos e introdução de emendas no livro de homenagem a um amigo, grátis total e a muita honra; revisão das provas do romance que traduzi (quase 600 páginas de letra tamanho cláusulas contratuais), népias à mistura com zelo profissional doentio; tradução de textos de homenagem a um ilustre escultor vizinho, agradecimentos vários em forma de sorriso que não há dinheiro que pague... Total: Hein?

Pois sim, pois é. Não há crise.
(Uma mina é que é, como dizem nesta terra, de caroços.)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Cheiro e memoria

Atravesóuseme unha pedriña no camiño mentres patinaba (e contrariando o que di o clásico, parei de rodar, iso si, sigo sendo a raíña do espatife). Minúscula. Nin se vía desde metro e medio de altura. E alá vou eu, cunha elegancia incomparable, de pernas para o ar e cu para o chan. O impacto foi de tal violencia que destas horas debe de andar a GNR á miña procura para me pasar a factura dos danos provocados ao bater eu co matapiollos da man esquerda no pavimento...

Non foi iso o peor, con todo. Para eludir as pescudas policiais, nada máis chegar á casa fun ao conxelador, á procura dunhas pedras de xeo que disimulasen a inchazón do matapiollos (o cu... nin con esas me incha). Que inxenua! Desde cando hai xeo nunha casa en que o malta se engole a seco, coma as mágoas? Había, porén, nun dos moldes, un líquido en estado sólido de aspecto noxento. En fin, dixen, contrariando o refrán "menos dá unha pedra", pois neste caso, unha pedra (de xeo) había dar máis. Envolvín aquilo nun pano e apliqueino no dedo até que me arrefeceu tanto que máis me doía do frío ca do golpe que con saña propinara ao duro chan que arremeteu contra o meu corpo fráxil.

Aos dous segundos, xa estaba eu no teclado, cando un fedor ao peixe —que non me dá saído do nariz, dez horas despois— comezou a invadir o ambiente. E eu dálle que dálle a torcer o fociño até que caín da burra... e lembrei que nun pasado remoto conxelara caldo de peixe nos moldes do xeo. Proba de que non hai como os cheiros para espertar a memoria.

P.S.: Ninguén veu ultimamente tempo tomar un whisky con xeo por aquí, ou? Aínda ben.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Eliminar ratazanas

Abri um comentário anónimo à espera de moderação e vista a sua imoderação, que atirava bocas contra a amabilidade dum comentarista inocente com o objecto abjecto e reviravoltado de me insultar a mim, aprestei-o dedo para o enviar à lixeira, quando ao fugir-me o olhar à direita, li nos anúncios do servidor: "eliminar ratazanas". Surpreendi-me ou se calhar assustei-me. Eu sabia que nos vigiam o conteúdo das mensagens, com a finalidade, diz-que, de seduzir-nos com tudo quanto nos é preciso à vida e à morte: de bombas de mão a beijos ardentes. Dessa eficiência, porém, não estava à espera. Contratei de imediato os serviços e mandei uma dose de estricnina ao bicho, não bastante para matá-lo no acto, mas para o pôr a contorcer-se em epiléptica agonia uns tempitos horrorosos. A seguir lavei as mãos como indicava no prospecto.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Na ordem do dia

Adormeci no torpor da meia tarde. De ali a uma hora, acordei, banhada no mesmo torpor... e transpiração. Foi apenas esta que me arrancou da cama (o torpor ainda preso, escadas abaixo, das orelhas e as pestanas).

Estendi a toalha na mesa do quintal. Dispus os alimentos e a aragem. Abri o livro, mastiguei as páginas concentrada nas vírgulas. Ruminei. Depois, nas margens da vida, fiz apontamentos vários. E bebi um gole do silêncio que me acenava desde uma nuvem pouco séria.

Escrever para quê? Para memória do absurdo no dia em que não mais tiver memória —não que o mundo se importe (importe-me eu e basta!, proclamo num grito estonteante e os pardais, desde o bordo já não japonês, olham-me aflitos, a abanarem a cabeça pela ausência de migalhas)— empreendi uma outra viagem, pé-ante-pé e alfanje entre os dentes, pelas palavras. A pressa em atingir nenhum destino, por isso, é escassa.

Ler, matutar, escrever. Nem sempre por esta ordem. Às vezes no caos quase absoluto. Hesitante.